Thursday, December 29, 2011

SANGUE

"Vendedor, vidraceiro, varejista..."
Bilheteiro, degustador de refri, hummm...

Essa parece ser uma boa profissão.
Eu trabalhava há 10 anos na Pontes Farias Imóveis. Advogado diplomado e corretor por livre e espontânea pressão, é o ramo da minha família.
Costumo brincar que os Pontes vieram de Portugal num navio, vendendo imóveis entre os doentes e loucos, durante aquela viagem de 5 meses para o Brasil.

"Vendedor, vidraceiro, viciado...", poderia estar escrito no guia de empregos que eu passava os olhos todos os dias, sem distinção alguma... eu ganhava bem, 20 pau por mês, usava e abusava, e gastava numa velocidade de um fórmula 1.
Normalmente, lá pelo dia 15 do mês, eu não tinha mais um vintém.

Quem mandou ser culto? Listas de cds, livros, dvds de filmes, não tem fim, festas, pó e casas de swing faziam eu me aperfeiçoar na arte de pedir dinheiro emprestado após o dia 15.

Um dos contos que eu mais gostava chamava "Asas"(http://enforquesenacordadaliberdade.zip.net/arch2010-03-01_2010-03-31.html#2010_03-27_01_30_17-100440064-0 ), era de um cara que se apaixonava por um anjo, alguma coisa assim, não lembro direito...

Assim como a vida imita o conto,a arte, ou seja lá o que for, eu esperava encontrar uma estória, um causo que pudesse contar para os netinhos( nem filho eu tenho, vai demorar,então...), não sei se foi o arranjo, formato, as cores das letras, o anúncio me pegou na cadeira!

"Emprego? Venha perder..."
Só isso. Tinha o endereço, sem telefone, email, nada.
Domingão, calor do caralho, era cedinho, um tédio insuportável, resolvi dar uma conferida no local, normalmente faço isso, para no dia não chegar atrasado, esbaforido e suado... odeio aquela gota de suor que vai descendo pelas costas e acaba parando no rego, encharcando a camisa social, cueca, calça. Mesmo no calor não consigo usar outro traje que não seja roupa social, não adianta, isso é de pai pra filho, meu bisavô, podia fazer sol ou chuva, inclusive, ia à praia de terno e gravata, de domingo a domingo, seu traje era blazer.
Levei o terno na mão e caminhei em direção ao ônibus, desde a minha primeira grande crise, tive que vender o carro, isso faz uns 10 anos, com o salário que ganho, já poderia ter comprado outro, mas cansei de ver tanto anúncio na tevê, tanto trânsito, aboli de vez. Nunca me esqueço daquele quadrinho, mostrava um cara preso no engarrafamento, xingando, nervoso, é a legenda para esse cara :" O Vencedor",e do lado um outro, andando, livre, feliz da vida, e a legenda:" O Perdedor".

É mais ou menos o que eu penso, o problema é sair de madruga duma festa, com a namorada a tiracolo, e ficar esperando um táxi que nunca vem.
Deixando as conjecturas de lado, cheguei ao prédio , rua Hélio Pellegrino, um prédio vermelho e um amarelo ralinho, parecia a bandeira da Turquia(?). Não tinha porteiro, zelador, nada, só uma campainha para um único andar.
Toquei. Ninguém atendeu. Escutei o barulho de passos no apê. A porta abriu. Um tremendo de um barulhão.

Dentro, uma claridade que incomodava, cheiro horrível de enxofre. Gargalhadas e choro. Se o inferno existir, é ali... é aqui.
Sinto um calafrio percorrendo minhas entranhas. Uma ruiva espetacular estava a minha frente. Não podia acreditar. A cor dos seus olhos eram pretos, mas um preto que eu nunca tinha visto. Ela tinha a voz da minha mãe. Uma ocasião eu li que a gente se relaciona com mulhereres parecidas com a nossa mãe.

" Você aceita um chá?"
Estava um calor dos diabos.
"Aceito sim. Pouco açúcar, tenho diabete"
"É diabetes!"
"Foi o que eu falei"
"Nao, você disse... ah, deixa pra lá..."

Como uma mãe que entende as travessuras do filho,a ruivaza ficou quieta.

"Que tipo de trabalho você está procurando?"

"Um que dê pra alimentar a prole"

"Você não tem filhos"

"Como você sabe?"

"Nós sabemos de tudo"

Fiquei pensando o que ela queria dizer com "nós"?

"Nós temos só dois tipos de trabalho: entrega e retirada"

"Entrega e retirada de quê?"

"No caminho eu explico"

Uma coisa que eu ainda não entendia: em nenhum momento a ruiva perguntou o porquê de eu ter vindo no domingo e não na segunda...

Ela me levou numa salinha, com pôsteres dos rappers mais famosos na época. "Tem alguém aqui que é bem fã desses caras do rap...?"

"Pois é, tenho que ficar aguentando esses malas..." Tinha atitude a ruiva.

"Não perguntei seu nome..."

"Continue me chamando de ruiva".
Não estava gostando nem um pouco dessa história.

Fiquei esperando por uma, duas horas. Chegou um momento que não aguentei mais e abri a porta. Chamei pela ruiva,e nada. Dei uma olhada na casa, estava vazia. Fui pra minha casa. Lugarzinho ruim de se conseguir um táxi.

Na segunda-feira voltei lá. Dessa vez, quem me atendeu foi uma japa.
"Seja bem vindo!"
"Olha, ontem estive aqui e..."
"Desculpa, tivemos um contratempo, alguns caçadores vieram aqui"
"Caçadores?"
"Sim, no caminho eu explico". Falaram isso ontem pra mim.

Imaginei: lá vou eu pra salinha dos rappers de novo. " Não, é uma sala no estilo clássico".

Dessa vez não demoraram quase nada. Após 15 minutos,a ruiva apareceu.
"tenho um trabalho pra você. 5 mil reais só pra levar esse pote até Alphaville"
"isso é uma anedota? Onde estão as câmeras?"

"Entregue e você vai ver se estamos brincando..."

Peguei dois metrôs, um trem, mais um busão e um táxi, finalmente cheguei em Alphaville 5 em quatro horas. "Tá bom!". Fiquei o caminho inteiro curioso pra saber o que tinha no pote. Não abri. Em Alphaville foi atendido por uma moça parecida com a Caroline Scarpa, era mais branca que a neve.

Ela falou para eu esperar um pouquinho. Depois de uma hora, como esse pessoal gosta de fazer a gente esperar. Ela veio com um envelope cheio de dinheiro. Não acreditei, era o dinheiro mais fácil que ganhara na vida.

Essa rotina continuou por um ano. É claro que , abandonei meu emprego anterior. Estava tirando 25 mil reais por semana. E o expediente só de segunda a sexta.
Nunca tive coragem de abrir o pote.

Estava um frio danado, sem querer, me recordo como se fosse hoje, dia 20 de abril, o ônibus, deu uma freada brusca, me segurei no frasco, retirei a tampa sem querer.

O que parecia estar lá dentro era sangue. Um sangue pastoso. Reparei que tinha acabado de ser retirado de uma criança(com o tempo fui criando experiência). No caminho de volta comecei a tremer de medo. Sabia que não haveria trégua.

"Por que você fez aquilo?"

"Me perdoe, não foi a minha intenção, vocês viram que foi um acidente...?"

"Nunca mais repita isso"
"OK!"

É claro que após um mês(cravado), eu fiz a mesma coisa,e agora fui além.

Perguntei para o cliente pra quê servia aquilo.

O garotinho de uns 8 anos, nove anos, aparentemente, me olhou feio e bateu à porta. Eu não ia desistir assim tão facilmente. Resolvi entrar em sua casa. Não acreditei no que vi; o menino bebia o sangue com canudinho do McDonalds. Ele se assustou. Veio pra cima de mim, joguei uma cadeira no moleque, aquilo não era gente, ele tentou me morder, peguei um isqueiro, acendi e botei fogo na sua cara. O grito era de um animal. Imediatamente, dois caras entraram pela janela e levaram o garoto, me ameaçaram de morte.
Eu estava vivendo em um filme de terror. Eram vampiros. Achei que só nos livros da Stephenie Meyer existiam uma coisa dessas. Tinha assinado meu atestado de morte. Não poderia voltar para o prédio da bandeira da Turquia. Precisava bolar um plano. Não tinha a mínima ideia. Todos aqueles anos vendo filmes de vampiros, zumbis, não serviram pra nada.

Peguei o primeiro trem para uma cidade mais próxima. Voltei a procurar um emprego. Fiz alguns bicos, fiquei vagabundeando pelas ruas, bares, tentando entender o que tinha acontecido. Voltei ao emprego antigo, eles tinham filiais. Ganhava os mesmos 20 conto por mês. Sentia falta daquela adrenalina.

Conheci uma moça. Casei com ela, tivemos três filhos. Consegui uma bela de uma casa, e um carro que ainda estou pagando as prestações.

Eu adorava a minha mulher, ela era ruiva.

Wednesday, December 21, 2011

ENTREVISTA ANTOLÓGICA BRUCE



Eu poderia ter feito um print, escaneado(scaneado, sei lá), mas como sou um cara à moda antiga, romântico, fiquei dois dias(são 22 páginas!) passando a entrevista do Bruce Springsteen para Bill Flanagan, do livro "Dentro do Rock"(olha a diferença para o nome original... traduttore traditore...) para o meu computador. Assim, foi até bom, li pela quarta vez a entrevista, e treinei a digitação, a gente sempre aprende palavras novas, e o diabo... Chega de falar, taí, fellows:




BRUCE SPRINGSTEEN

Tradução de Márcia Serra.

"Os grandes discos e as grandes canções são as que no dizem:" Vai lá, encontra o seu lugar no mundo. Encontra um lugar que seja seu, não importa se grande ou pequeno". Talvez isto, de alguma forma , oriente você para uma forma honesta de viver. E é maravilhoso que um disco seja capaz de tanto. Ainda mais quando só custa uns noventa e nove centavos".

BRUCE SPRINGSTEEN


- Quem tem um bom carro, não precisa se justificar pra coisa nenhuma-declara Hazel Motes, herói do livro Wise Blood, de Flannery O'Connor. Um dos romances preferidos de Bruce Springsteen, e cuja frase o leva rir gostosamente. Esse bem poderia ser o lema dos personagens que buscam nos automóveis o consolo para dias transcorridos na mais frustrante labuta e noites transpassadas pela consciência -senão pelo arrependimento-dos pecados cometidos.

Os personagens de Springsteen aceitam o fato de terem "nascidos para a vida já pagando pelos pecados passados de outros"("Adam Raised a Cain"). Hazel Motes diz que já se encontrava em estado de pecado muito antes de ter cometido algum. Essa é uma atitude bastante "springsteeniana": o choque de perceber que você é apenas um entre tantos. Um dos momentos mais triste de todos os discos de Springsteen ocorre no fim de "Backstreets"(Born to Run"), quando o cantor se lamenta:" depois de tanto tempo, descobrir que somos iguaizinhos a todo o mundo..."(after all this time, to find we're just like all the rest...").

Mas é esta percepção, justamente- de que, por mais que se corra, não há como escapar aos próprios demônios-que está na origem da força do Springsteen. Springsteen foi fundo no sonho do rock'n' roll como fuga da mediocridade para a glória. No entanto, uma vez conquistada essa fuga, ou seja, depois que o sucesso de Born to Run, seu álbum de 1975, o elevou à celebridade e à fortuna, fazendo dele um aclamado artista popular, ele redirecionou a sua atenção para o seu lugar de origem e as pessoas que havia deixado para trás.

Springsteen não espera que a redenção lhe chegue do céu. Para ele, é mais fácil aceitar o pecado original do que a promessa do paraíso. Quando Deus aparece nas entrelinhas de suas canções-geralmente, nos monólogos dos concertos-trata-se, inevitalmente, do Deus vingativo do Antigo Testamento, um Todo-poderoso que , no máximo, concederia ao homem o favor de deixá-lo ao léu. Durante algum tempo, Springsteen acrescentou ás versões ao vivo de "Backstreets" uma oração pedindo que Deus se revelasse e "jogasse esta porra de cidade dentro do mar"/("Blow this whole fuckin' town into the sea").

Em "Racing in the Street"(Darkness on the Edge of Town), Springsteen diz:" Esta noite, eu e o meu bem vamos de carro até o mar, lavar estes pecados das mãos"/("Tonight my baby and me we're gonna ride to the sea , anda wash these sins off our hands"). Em "My Father House"(Nebraska), ele se sente abandonado "Nesta estrada escura, onde nossos pecados jazem, inexpiados"("this dark highway where our sins lie unatoned"). Em "Drive All Night"(The River) ele diz:" Quisera eu que Deus me mandasse uma mensagem, me mandasse alguma coisa que eu temesse perder"( I wish God would sende me a word, send me something i'm afraid to lose". É evidente , pela tristeza de sua voz, que não haverá essa resposta de Deus.

Alguns críticos e intelectuais torcem o nariz para esse ressentimento do silêncio de Deus- coisa cafona, bombástica. Abordar a Grande Questão é considerado feio, primário. Segundo eles, a morte de Deus foi o tema das elucubrações da geração passada, que hoje prefere novas charadas para degustar entre queijos e vinhos. Deve ser duro, para estes estudiosos, enfrentar um mundo cheio de proletários incultos que ainda se preocupam com este problema: e um gênero como o rock, que ainda o deixa transpirar em público. Desde o evangelismo auto-flagelatório de Jerry Lee Lewis e Little Richard até a redenção sexual de Marvin Gaye e Prince, passando pela santidade rastafari de Bob Marley, o panteísmo cristão de Van Morrison, o espiritualismo parapsicológico e evangélico de Elvis Presley, e o protestantismo esquedizante não assumido do U2, Deus simplesmente tem se recusado a morrer para o rock and roll. E embora existam inúmeros rótulos pré-fabricados para o deleite dos crédulos, Bruce Springsteen é o único artista a emprestar a sua voz àqueles que foram criados dentro da fé,e que talvez até desejem ter fé, mas que simplesmente não conseguem dar o passo decisivo.

O personagem conservados de "Lost in the Flood"(Greetings from Asbury Park, N.J) contempla, perplexo, um mundo libertino onde até as freiras engravidam; enquanto, em "Reason to Believe"( Nebraska), um personagem mais próximo do próprio Springsteen se pergunta, cheio de perplexidade, como pessoas tão maltratadas pela vida ainda conseguem chegar ao fim do dia acreditando num Deus justo. Springsteen é tão incapaz de parar de pensar no todo poderoso quanto de aceitá-lo.Seus personagens querem tomar as rédeas de seus destinos; não querem fazer papel de otários por acreditarem em algo que talvez não exista.

Em consequência , precisam batalhar para acreditar em si mesmos. Hazel Motes, personagem igualmente obcecado e ressentido diante de Deus, acaba por se proclamar um pregador incréu e funda Igreja Sem Cristo, "onde os cegos não veem, os mancos não andam e os mortos ficam mortos"("Where the blind dont see, the lame dont walk and what's dead stays that way"). O ardor dos autênticos devotos de Springsteen acabou por dar origem a uma espécie de igreja secular, a igreja de Bruce. Quando Springsteen se pavoneia no palco, imitando(como só ele sabe) os evangelistas da tv, e desfilando um monólogo cômico sobre o avanço paralelo do pecado e da beatice, para logo emendar com "Pink Cadillac"("Dizem que Eva tentou adão com uma maça... cara, eu não caio nessa..."/"They say Eve tempted Adam with an apple... Man aint't going for that..."), fica fácil acreditar que ele sabe disso.

Ele é o maior astro de rock da geração,a terceira pessoa da santíssima trindade do rock americano; nasceu de Elvis e Dylan; e, junto com Elvis e Dylan, é adorado e glorificado. ( Pode-se argumentar que estes roqueiros brancos têm suas contrapartidas negras em Berry, Hendrix e Prince, caras que precisam ser até mais inventivos, do ponto de vista musical, para conseguirem que seus juízes lhes concedam um honroso segundo lugar); No entanto, Springsteen continua sendo uma figura curiosamente isolada, sempre retomando os temas normalmente associados ao conforto e à união- a fé religiosa, o trabalho, a família,a cidade natal-em composições que falam da marginalidade daqueles que não conseguiram acreditar nos lugares-comuns convenientes.

Certa vez, Springsteen disse para o crítico Dave Marsh que seus sonhos não valiam nada "sem a garota". No entanto, os personagens das canções de Bruce raramente ficam com a garota,a não ser-como em "Rosalita"(Come Out Tonight) ( The Wild, The Innocent & The E Street Shuffle) e "Thunder Road"(Born To Run)- pela força. Os laços familiares têm muito mais a ver com pais e filhos, irmãos e irmãs, do que com maridos e mulheres. Durante muito tempo , a imagem que Springsteen fazia do casamento foi quase tão sombria quanto a sua maneira de ver a religião. A única e óbvia excessão, " I Wanna Marry You", The River, mostra uma noiva que já passou por um casamento fracassado; e emenda com "The River" , um retrato arrasador de um casamento forçado e suas sequelas . Em 1985 , quando Springsteen lançou a sua versão de "Trapped", de Jimmy Cliff, ouvir um disco de Bruce era a forma mais certeira de afastar qualquer um do altar. Portanto, o mundo do rock ficou pasmo quando- a 13 de maio de 1985, no auge da fama- Bruce Springsteen se amarrou.

Àquela altura , fazia quase um ano que Springsteen não dava entrevistas. Depois disso, ele ainda guardou silêncio por mais de um ano. Quando a edição de capa dura deste livro foi para o prelo, no verão de 1886, Bruce estava mixando o álbum de cinco discos dos seus concertos -Bruce Springsteen & The E Street band Live/1975-1985. Naquele outono, ele me falou que sentia muito ter estado ocupado demais para entrar na 1 edição do livro , e , diante da minha sugestão de que ainda daria tempo para constar da 2 edição , ele aceitou , sem titubear. Achei o seu gesto simpático, sem contar, no entanto, com a sua concretização. Então, em abril de 87, recebi um telefonema me comunicando, que, caso eu ainda estivesse interessado, Bruce teria prazer em conversar comigo.

Quando nos encontramos, no escritório de Manhattan de Jon Landau, seu agente, um Bruce Springsteen de 37 anos, em plena forma, sorridente e casado, me falou com tal entusiasmo e fluência que quase me fez esquecer que ali estava o maior astro de rock em atividade no mundo, alguém que carrega um dos mais pesados fardos.

BF: Você disse, uma vez, que uma história só presta se for,de uma forma ou outra,a história de quem a conta. Até que ponto as suas canções contam a sua história?

Bem, os detalhes são obviamente diferentes. Os nomes eu troco, para proteger os inocentes. Isso varia; algumas canções são autobiográficas, ou quase. Todas são emocionalmente minhas. Fazem parte da minha vida emocional e, nesse sentido, pode-se dizer que falam de mim. Quanto aos detalhes que você usa como cabide para pendurar essas emoções... bem, aí varia. Eu posso sair por aí, conhecer um garoto num bar, e algum traço dele me sugerir uma canção. Imagino que se você prestar atenção no meu disco de gravações ao vivo, do começo ao fim, vai ver que ele conta mesmo a minha história. Não é toda a minha história, mas dá uma boa ideia dos meus últimos dez anos, das coisas que eu tenho enfrentado na vida.

Não sei se as minhas músicas falam de personagens, mas as minhas letras, sim; elas falam de diversos personagens. Isso tem dois aspectos. Um deles é que quando você fala através ou por intermédio de outros, você faz o público se colocar , por um breve espaço de tempo, na pele de outra pessoa. O que é bom. E tem vezes em que isso te dá o distanciamento necessário para contar uma história que, na primeira pessoa, ficaria ou muito exagerada ou sentimental demais. É mais uma técnica, e é asssim que ela funciona.

Para tornar tudo isso real, você tem que botar muito de si. Para que seja simplesmente plausível, verossímil, você tem que criar personagens que vivam e respirem. Se eu me sento para compor uma canção, o que eu quero fazer é isso. Sempre me saí melhor quando botei muito de mim, e das coisas nas quais baseio a minha vida, na minha música. E me dei mal sempre que apelei para alguma fórmula ou para alguma coisa que não batia, que não ia fundo, será que você me entende? Posso escrever uma coisa e depois pensar, "puxa, isso aí ficou maneiro", ou então " isso aí faz um jogo de palavras legal"... São essas coisas que eu jogo fora. Nunca chegam ao disco.

Para mim, uma canção começa a partir do momento em que você cria um ser humano real, de carne e osso. E isso vale tanto para "Papra-oom Mow-Mow" ou o que seja. Tem que ter uma vibração. Isso é o que o rock n roll me deu mais de essencial- um sentido de vibração, um sentido de vitalidade, um sentido de que existe vida em algum lugar, E é isso que eu busco com a minha música. Existe alguém ali, presente, quando eu faço uma canção? Será que eu consegui dar vida a essa pessoa? Para mim, o essencial é isso. E pra isso você não precisa compor de uma forma pedante ou intelectual. É só ver "Twist and shout", qualquer coisa que cause impacto. Na minha opinião, esse impacto existe porque ali tem um sentido de vida, de viver : elas comunicam as possibilidades da vida e do viver. E nenhuma canção faz isso melhor do que "Twist and Shout".

Que disco! Pra mim é uma grande canção, uma canção fantástica. Tremendamente difícil de se compor!

O Chuck Berry criou grandes personagens. Que, estou certo, faziam parte dele, das coisas que ele imaginava. Ele mesmo contou que fazia aquelas canções sobre colégio quando tinha trinta e dois anos! Mas sabia do que estava falando. O lance dele é fantástico... a maneira incrível como ele usa os detalhes. Coisa que eu venho tentando fazer nas minhas últimas composições , procurando me aperfeiçoar nisso. Porque eu admiro a música dele e o incrível sentido de detalhe com que ele dá vida a cada verso.

Me dá um exemplo de uma canção na qual você tenha apelado para a técnica , para alguma fórmula...

Ai, bom... Deixa eu ver... Não tenho um exemplo perfeito disso,porque acho que joguei fora... Compus "She's the One"(Born to Run) porque queria ouvir Clarence tocar o seu sax, naquele solo dele.(Risos). Então fui lá e botei uma letra só porque queria aquela batida, queria ouvir o Clarence tocando. É o caminho inverso... pode ser um exemplo. Mas quase tudo acaba indo pro lixo, por ser evidentemente ruim. Não sai nada de estimulante, nada de instigante. Agora, uma coisa pode ser instigante apenas do ponto de vista musical. Em She's the One" eu queria aquele solo de sax, queria que os caras tocassem numa determinada batida e tinha um projeto de produção, ou seja, eu estava atuando num outro nível, tem muita coisa que funciona por aí. Acho que mais adiante eu passei a privilegiar um pouco mais a letra. Dai que eu mesmo numa peça como "Glory Days"(Born in the U.S.A) que eu via como um disco feito pra dançar, acabei cantando com violão acústico e tentei me assegurar de que os personagens da canção estivessem bem vivos.

Em "She's the One" você chega a usar versos de canções mais antigas:"Molho frânces não vai amaciar essas botas , beijo chupado não vai amolecer esse coração de pedra"/("French cream won't soften them boots and french kisses will not break that heart of stone") é de "Hey Santa Ana".

Pois é , tanta canção antiga... Às vezes eu fico guardando um ou dois versos durante quatro ou cinco anos. Sei que são versos bons, mas não encontro onde encaixá-los adequadamente. Naquela época eu vivia fazendo esse tipo de troca-troca. Muito daquele material se prestava a isso. Ainda faço isso às vezes, mas não tanto quanto antes. De vez em quando acontece.

Como "Eu tenho dívidas que nenhum homem honesto seria capaz de pagar"/("I got debts that no honest man could pay"), que aparece tanto em "Atlantic City" quanto em "Johnny 99"(Nebraska).

Exato. São duas canções nas quais eu calhei de usar o mesmo verso. Depois,quando nós decidimos que a fita(a demo de Nebraska) era a melhor gravação, o negócio ficou. Mas normalmente eu tentaria reescrever um dos versos numa das canções(risos). Não foi intencional.

Você nunca receou que uma canção fosse pessoal demais? Você mudaria algum detalhe para não ter que assumir o que disse?

Dependeria da coisa ser boa ou não. Se a canção fosse boa, e funcionasse direitinho... bem, acho que a gente tem um mecanismo interno de proteção que está sempre pronto para nos impedir de expor algo em excesso. E eu sou uma pessoa de excessos... Tudo depende da canção funcionar ou não. Acho que já compus músicas pessoais, mas,desde que elas sejam boas, tudo bem. Quando a canção é boa e recebe um tratamento legal. Desde que não seja pessoal a ponto de se tornar terrível, horrivelmente sentimental... Eu até curto o sentimentalismo. Acho que o sentimentalismo tem a sua hora certa. No finzinho do disco ao vivo pintou um desses momentos, e aí eu disse:" Vamos fechar o disco com "Tent Avenue Freeze-Out" e "Jersey Girl". Não era o momento de ter medo dos sentimentos. Eles também têm o seu lugar. Mas eu acho que a gente estabelece limites específicos para cada momento. Se eu ficar só de ai-ai-ai(faz uma cara lamuriosa),a ponto de te deixar constrangido, é porque a canção é ruim, pura e simplesmente.

Acho que já compus umas canções pra lá de pessoais, as canções sobre o meu pai. Mesmo que não sejam totalmente autobiográficas, elas passam o sentimento da relação, "My Father's House"(Nebraska) é uma canção pessoal. Acho que a gente acaba descobrindo o jeito certo de transar esse lance. Geralmente, se isso vira um problema pra mim, é sinal de que eu não me saí muito bem. Não fiz uma canção lá muito boa.

Qual a reação do seu pai diante dessas canções?

Meu relacionamento com ele mudou muito. Na verdade, mudou da noite pro dia, quando eu saí de casa. Foi muito interessante, isso. Ele mudou um bocado, e eu também. Suponho que nenhum de nós era do tipo de falar abertamente dessas coisas. E talvez eu viesse agindo assim. Ele não é uma pessoa que demostre as suas reações, deste ou daquele jeito. De uma maneira curiosa- e talvez não da melhor maneira-foi como se o ar tivesse menos carregado. Algumas das coisas que eu compus tocam muito fundo, como o (monólogo) que eu faço em "The River", no disco ao vivo. Quer dizer, no fim foi assim que eu lidei com isso. Uma vez, cheguei a lhe perguntar quais suas canções preferidas, e ele me respondeu:" As que falam de mim"(risos). Ele disse isso meio que rindo, de forma que não sei... Como eu dizia, não deve ser essa a melhor maneira de enfrentar as barras, mas foi um pouco assim que a coisa se deu entre nós.

Acho que o nosso relacionamento, hoje, é muito mais direto. Quer dizer, foi bom. Mas não deixa de ser uma fugida da raia, compreende? Acho que eu fiz aquilo na tentativa de entender o sentido das coisas, levando em conta, porém, que talvez outra pessoa não seguisse o mesmo caminho. Eu e ele guardamos, durante um bom tempo, uma distância desnecessária. Mas nestes últimos tempos, de um bom tempo pra cá, tudo tem sido ótimo. Pais e filhos, você sabe como é...

As suas imagens de garotinhos invocados ou brigões são memoráveis. De "The Angel"(Greetings...) a "Used Cars"(Nebraska).

Acho que "Used Cars" é bastante autobiográfica. Minha mãe sempre curtiu essa. Meus pais adoram essa música, porque a gente tinha mesmo muito problema com carro. Coisa que até parece mentira. Como a gente teve carro ruim! Eu me lembro que meu pai tinha um carro que não dava marcha ré, toda hora a gente tinha que empurrá-lo para sair das vagas. Nebraska foi feito, de cabo a rabo, dentro desse clima da minha infância. De garotinho até adolescente. É uma canção que já saiu assim.

Há tempos, você dizia que não queria se casar por não estar preparado para compor canções sobre o casamento. Você sabia que ainda teria que enfrentar isso. Já escreveu alguma coisa sobre o casamento?

Estou compondo(ri). É mais uma faceta da vida, só isso. Durante muito tempo, tentei evitar um bocado de coisas. Em parte porque pensava, "Se eu não fizer isto ou aquilo, quem sabe não envelheço?" Ao mesmo tempo , eu escolhia certos caminhos na esperança de que eles me ajudassem a crescer intacto.

É engraçado você mencionar isso, mas é isso mesmo, sem tirar nem pôr. Era assim que eu me sentia. Não só eu não compunha... eu não conseguia me imaginar compondo esse tipo de música! E aí, no disco ao vivo, foi Tom Waits que, de certo modo, fez isso por mim!(Waits é o compositor de "Jersey Girl"). Quer dizer, foi gozado, isso. Acontece que eu tinha umas ideias preconcebidas do que considerava a essência do sonho do rock n roll. E mergulhei de cabeça nisso, aos vinte e poucos anos. Mais tarde, acho, que percebi que era apenas o ponto de partida; o que interessa é o ponto de partida, de onde você avança.

Se eu componho uma canção realmente boa, que tem algum significado para os outros, ela não pode ser mais do que um ponto de partida para essas pessoas. Elas têm que pegar aquilo e seguir em frente, e eu também, tenho que fazer o mesmo. O que ela faz é pedir que você toque pra frente, encontre o seu lugar no mundo. Talvez ela te ajude nisso. Talvez não. Basicamente, tudo se resume numa tentativa de ser útil. O que quer dizer que a maior canção rock, qualquer que seja-"Like a Rolling Stone", "Twist ond Shout" ou "Shout"- não passa de um ponto de partida. Não é um código de vida, coisa pela qual se possa pautar a vida. Ou dentro da qual se viva a vida. Eu estava num momento de cultivar certas ideias sobre o todo lance do rock, ideias que eu achava certas- além de outras que eram um pouco radicais.

Eu acho que todo esse lance de casamento... quando você se casa, você tem que sair da toca. Estou falando de um relacionamento com alguém que não faz parte do meu trabalho, do meu ofício. Que não tem nada a ver com o meu jeito de tocar guitarra(risos). Isso é como ingressar um belo dia no mundo real. Eu já estava indo nessa direção, alguns anos antes do meu casamento. Não que o casamento seja o único meio de você conseguir isso, mas é um deles. E eu saquei que não dá para se viver dentro daquele sonho de rock and roll que eu tinha dentro da minha cabeça. Fazer isso é que é trair a promessa essencial. É cascata. Quem tenta fazer isso acaba virando um babaca complacente e decadente. E não vale a pena. Não é uma coisa que valha a pena você transar.

Não estou querendo diminuir a importância desse sonho , ou de suas implicações. Mas ele é apenas um ponto de partida. Como quando eu ouvi "Shout", ou "Having a Party" é um disco fascinante... sempre me pareceu um disco muito triste. Na versão do Sam Cooke, eu vejo todo um mundo de tristeza. Só aquela voz dele, só aquele cantor...

Essas canções, na verdade, foram apenas um ponto de partida. Depois, fica por conta de cada um. Por isso que ficar preso à iconografia , à deificação e idolatria de estrelas de rock, artistas de cinema ou vencedores de concursos de televisão é uma distração. Na noite em que pulei o muro da casa de Elvis , eu não sabia quem eu pretendia encontrar. Talvez fosse algum sonho, alguma ideia que eu fazia de mim mesmo. E o guarda que me parou na porta na certa me fez o maior dos favores.

Por isso eu acredito que o que os grandes discos e canções fazem é nos dizer: " Vai lá, encontra o seu lugar no mundo. Faz alguma coisa, qualquer coisa. Encontra um lugar que seja teu, não importa se grande ou pequeno." Talvez isto, de alguma forma , oriente você para uma forma de vida honesta. E é maravilhoso que um disco seja capaz de tanto. Ainda mais quando só custa uns noventa e nove centavos!(Risos). Mesmo que custasse seis ou sete dólares, ainda seria um grande negócio.

Por isso que eu sempre quis tocar guitarra- é um trabalho honesto, ora! Você pode ganhar a vida honestamente com isso. E,a esta altura, é o que me interessa, na verdade. Mas eu tive que me livrar da minha interpretação equivocada do que eu via como o sonho do rock'n'roll . Levei muito tempo pra isso. Em parte porque implica em você aceitar a própria morte. Tudo bem, pois é assim que você apreende a vida e segue em frente. Conheço muita gente , até amigos meus, que simplesmente não querem encarar isso. É assustador demais. Você tem que pôr os pés no chão do mundo real.

Teve uma crítica de The River no Village Voice. Eu nem me lembro quem a escreveu, mas me lembro que ele disse que o personagem de "Ramrod"- ou outros personagens do disco, não sei- estavam procurando escapar do próprio tempo.

Todo esse lance de rock and roll alcançou tal dimensão, ganhando tantos significados diferentes para as pessoas, ocupando um espaço tão grande na vida de cada um, que ficou desproporcional, extrapolou. Há uma certa perda de perspectiva nisso tudo. Eu escolhi o rock por muitos motivos contraditórios: eu queria um refúgio, queria uma fuga,e também uma arma. No fim das contas, acho que uma das coisas que a música pretendia fazer era abordar esse problema das consequencias. Você disse que o rock and roll era noite de sábado, e o country,a manhã de domingo. Pois bem, eu queria tanto a noite de sábado quando a manhã de domingo... e também queria a semana inteira, de segunda a setxa! E - especialmente nas coisas que compus mais adiante - era aí que tudo acontecia , já que existem muito mais segundas, terças, quartas, quintas e sextas do que noites de sábado ou manhãs de domingo. E é nesses dias que todo mundo tem que viver. Eu queria uma música com a qual eu pudesse viver. A verdade e a suas consequencias.(risos).

Eu saquei que se eu quisesse avançar, se quisesse levar essa bagagem comigo, ela teria que me ajudar a responder essas perguntas. Teria que dar um sentido à minha vida de agora. E as coisas que eu encontrei em "Be my Baby" não vão me ajudar a responder as perguntas que nascem hoje, do meu convívio com a minha mulher, do convívio dela comigo. Não que isso tenha se perdido. Mas é só parte , um pedaço.

Deixe o sonho viver dentro de você, em vez de você viver dentro do sonho.

Acertou na mosca. E eu acho que naquele momento, em 75, quando o meu sonho se fez realidade-embora de um jeito meio engraçado- eu tive que encarar as consequencias. Nesse momento específico, eu saquei que não queria viver dentro dele. Que ele não passava de um quarto vazio. Não havia mais ninguém ali. Logo, eu precisava encontrar um jeito de sair dele. Porque era a única maneira de eu ter algum valor para quem quer que fosse, inclusive a mim. Era a única maneira de manter a minha vitalidade, a minha própria vida.

Quando você se fecha nesse quarto de sonhos, as coisas que têm importância e relevância para os teus amigos, no mundo real- e para as pessoas que ouvem a tua música -acabam sufocando e morrendo. E você também. Mas é tudo muito difícil , pois esse quarto é sempre muito confortável e dá uma ilusão de insegurança. Não há nenhuma segurança real, nenhuma vida. Não há nada, simplesmente. Então, você tem que criar alguma outra coisa. Nas minhas composições posteriores a Born to Run eu procuro justamente essa alternativa: onde se encaixa este guitarrista aqui? Qual o meu lugar no mundo? Acho que é o que todos tentam fazer, no fundo, em qualquer tipo de trabalho.

Muitas dessas ideias já apareceram nas suas primeiras canções: o personagem de "Lost in the Flood"(Greetings...) ou o Spanish Johnny("Incident on 57 th Street", do álbum The Wild , The Innocent & The E Street Shuffle), que vê os pivetes se beijando e não consegue entender, não saca as mudanças que vão pelo mundo.

É, olhando pra trás acho que dá pra descobrir essas coisas nos meus primeiros discos. Elas não são o resultado do sucesso, de eu ser um cara famoso que toca guitarra. São coisas com as quais as pessoas lutam a vida toda, independente da profissão. Todo mundo enfrenta essa escolha, entre ficar no quarto de sonhos ou construir uma coisa real. É muito fácil ficar lá dentro. Bastam meia dúzia de cervejas e um aparelho de televisão. Aí você pode até se esquecer que tá lá dentro. Acho que aquele foi o meu momento específico de confronto com tudo isso, mas não se trata de uma situação única ou fora do comum para quem quer que seja.

Em "Prove It All Night"(Darkness on the edge of town), você diz conhecer " o significado de roubar, trapacear, mentir"("what it means to steal , to cheat, to lie"). Você aborda emoções parecidas em "The Price You Pay"(The River). Como se estivesse tentando obrigar o público a aceitar o seu lado escuro. Isso não terá sido uma reação ao todo aquele oba-oba, àquela idolatria que se seguiu a Born To Run"?


Foi uma reação , sim. Acho que tanto Darkness quanto os outros discos, posteriores a Born To Run, foram uma reação àquele momento específico que eu tive que enfrentar: o da minha implosão. Antes, tudo era muito descontraído,a gente vivia de um lado pro outro numa camionete ou furgão, tocando nas boates, um negócio que me gratificava, que eu curtia intensamente. Eu era solteiro; nada mau aos vinte e três anos, não é mesmo? Darkness foi o momento que percebi que aquela talvez fosse uma maneira gostosa de ganhar a vida, mas não de viver(risos); e percebi que... eu era diferente... eu tinha alguma coisa...

Digamos assim: eu já tinha a guitarra e a garota. E saí dando as cabeçadas nas paredes do quarto do sonho. Foi isso. De repente eu entendi: "Espera aí! Isso aqui tem paredes!" E eu estava fechado dentro de alguma coisa. Tinha que escapar dali, e a forma de fazer isso era através da solidariedade. Se aquele cara de Born to Run conseguiu escapar, ele acabou voltando. Tinha que voltar! Porque é ali que estão as pessoas. É ali que está todo o mundo! E no fundo, era ali que eu queria estar. Por mim. Não por outro motivo.

É engraçado. Eu estava sozinho, e acabei me acostumando a ficar sozinho. Eu sabia viver assim, sabia como, antes. Muito fácil. Mas essa ideia estava aos poucos se esgotando,e eu tive que ver o que estava acontecendo, o que ia pelo mundo, fazer parte disso. E eu acho que "Badlands", todo o álbum Darkness, fala disso. Eu queria voltar e enfrentar certas coisas. O que havia ocorrido depois de Born to Run? Onde estavam os meus amigos? Onde estavam as pessoas que tinham importância pra mim? Quanto à minha trepezinha frívola... bem, foi divertida,mas em si mesma não bastava para manter o meu fascínio. Eu tinha tido a oportunidade de observar os que me precederam. Como se tivesse um mapa. Muitos deles, ao chegarem naquele ponto, viram escrito:"Beco sem saída". Daí que a gente tem que recuar e procurar outro caminho , um caminho transitável. Não se pode construir uma casa ali, no fundo de um beco sem saída. Eu achava que isso não precisava ter acontecido, achava que aquilo podia continuar. Aquilo que tinha me sustentado, inspirado, amparado e fortalecido na minha infância podia continuar fazendo o mesmo na minha vida adulta. Só queria descobrir isso por conta própria. Eu acreditava que as coisas que tinham acontecido comigo, as perversões da vida,as distorções que surgem do sucesso, eram distorções reais. E se eu conseguisse enxergar com clareza através delas, mesmo constatando que essas contradições e paradoxos não eram removíveis, mas conseguindo aprender o bastante com elas para não pirar... então poderia olhar de frente para o homem na rua, para a minha mulher ou namorada e ter o que lhes dizer. E elee teriam o que dizer pra mim.

Na verdade comecei a tocar guitarra porque queria conversar com alguém. No fundo, foi isso. Era isso que me interessava , mais do que tudo. Havia coisas que eu queria dizer. Talvez apenas:" oi, tudo bem? Eu estou aqui e você está aí. Vamos formar uma banda, vamos fazer alguma coisa juntos!".

Então, quando aconteci, também percebi:" conversar com quem? E o que é que eu tenho a dizer? Se estou preso aqui, o que é que eu poderia dizer que valha a pena alguém ouvir?".

Esse negócio é muito divertido, tem muita coisa boa, mas a verdade é que é muito solitário, e é por isso que você volta pra rua. É algo que não basta. O quarto de sonhos carece de muita coisa. Você sai dele porque deseja conversar com alguém. Você fica entendiado, se sente sozinho. Além disso, você começa a ter ideias. Cheguei a uma conclusão , nesses anos todos de banda de rock: a de que não é obrigatório você se desestruturar, implodir. Que existem formas de lidar com as distorções que passam a fazer parte da tua vida, depois que você estoura. Se você dirigir a tua energia nesse sentido , com firmeza e uma boa dose de reflexão, isso é possível , tem que ser possível.

Eu só queria conversar com alguém , fazer parte de alguma coisa. E se no fim você não tem nada a dizer , fica isolado num mundo de sonhos , é sinal de que você não conseguiu(risos) Que você não acertou! E eu não via motivo pra que fosse assim. Então, a partir de Darkness- e daí pra frente- tenho tentado entender (risos) como seria essa banda aí , com um guitarristazinho mineiro.

Esse sou eu. É para que eu me vejo: sou o guitarrista. Que som é esse aí, o desse guitarrista? Suponho que seja uma ideia pretensiosa, por outro lado. Mas também é puro bom senso.

Outro dia, um amigo me disse: "toda noite eu vou pra cama e sinto que tive um dia honesto" Algo bastante bom de se ver. E bastante difícil de se conseguir, de se preservar. Aquela coisa toda tinha tanta força na minha vida que eu simplesmente quis me agarrar a ela.

Nos seus dois primeiros álbuns- gravados antes do seu sucesso- você celebrava e idealizava pessoas comuns. Era uma ótima mudança dos rocks que falavam de jatinhos e limusines. Naquela època, os seus fãs se perguntavam:" O que será que vai acontecer quando o Bruce se tornar popular, quando ele deixar de ser igual à gente? Se ele começar a cantar sobre a sensação maravilhosa de ser rico e famoso, nós vamos nos sentir excluídos; mas se ele cantor sobre as dificuldades de ser rico e famoso, vai ser pior ainda!" O bonito foi que depois que você estourou você refez o seu caminho, abordando a vida dessa gente simples por outro ângulo. Isso me fala do seu otimismo básico: o fato de que, quando você era pobre- em canções como "Growin Up(Greetings)- você dizia que a vida apertada não é de todo ruim- mas depois do sucesso você não se negou a admitir: " Na verdade, é um bocado dura".

Bem, eu era jovem. Eu tinha vinte e poucos anos. Viver na dureza aos vinte anos é diferente de viver apertado aos trinta, quarenta, cinquenta ou sessenta. Aí a história é outra. Mas eu não tinha nenhuma intenção clara. O que eu sentia , basicamente, era que já tinha visto muito desperdício, muitas vidas desperdiçadas . Quando eu era garoto isso me deixava danado, não sei por quê. Eu achava que tinha visto pessoas fantásticas- pessoas corajosas, cheias de garra- que não tinham conseguido dar certo por este ou aquele motivo. Não que elas não tivessem encontrado o caminho do sucesso: mas não tinham descoberto aquele fio muito tênue que passa por toda a vida da gente e nos dá uma certa estabilidade, um certo significado, um certo sentido de sanidade. No fundo, é isso que a gente procura. Acho que eu vi muito disso quando criança, e o lado enfurecido da minha obra vem dessa percepção de tanta vida jogada fora. Ou seja, em certo sentido, ela tem motivação de revanche(risos).

Essa raiva não é aparente nas canções que você fez antes do sucesso. Só mais tarde você foi afastando essas camadas.

Provavelmente só mais tarde eu pensei nisso. Acho que é uma coisa normal, depois que você faz sucesso e ganha algum dinheiro. É uma reação normal, a de se perguntar, então: O que é que os outros estão fazendo?" Talvez esse seja o motivo. Além do mais, acho que naquela época eu tinha medo desse distanciamento. Sentia que existia um momento de verdade. Pois bem, na verdade não existe esse momento da verdade- existem momentos da verdade. Mas nessa época eu sentia medo. Desconfiava muito do meu próprio sucesso e das coisas que ele acarretava, pois percebia o seu poder. E sei lá, é gozado, mas acho que esses impulsos me fizeram mergulhar mais fundo no material de Darkness; mais do que se eu tivesse feito um disco de sucesso apenas médio. Em primeiro lugar, eu me sentia numa posição privilegiada, e achava que isso me investia de responsabilidades. Não tinha mais que me preocupar com o aluguel e a calefação. Já tinha me preocupado muito, de maneira que eu sabia o que era. Meus pais se preocuparam com isso a vida toda. E eu pensava: "Pois bem, agora não preciso mais" E talvez eu achasse que esse momento era o que continha a melhor parte de mim.

Imagino que se pode compor canções engraçadas sobre voar em jatinhos(risos) ou andar de limusine. Mas o que eu sei mesmo é que quando cheguei ali, percebi que a vida estava nas ruas, nos bairros. E que eu mesmo continuava lá. Não tinha ido a lugar nenhum. Ainda continuava em Jersey. Nessa época, eu praticamente morava numa fazenda.

Mas parece que a vida estava lá, lá é que estavam as coisas que tinham importância para mim. Quer dizer, bem... você pode curtir fazer uma música sobre...

Um Cadillac cor-de-rosa?

É. Pode até ser divertido. Mas não é algo em que basear uma carreira.


Por ser tão conhecido , você tanto pode se distanciar de uma canção quanto se projetar totalmente nela; é só uma questão de escolher os detalhes certos. Por exemplo, quando você diz" Eu me levanto à noitinha", em vez de "de manhã", em "Dancing in the Dark"(Born in The Usa), parece que você está agitando uma faixa com os dizeres"Esse aí sou eu mesmo".


É, isso foi interessante, porque a princípio era para ser " eu acordo de manhã". O Jon(Landau) vinha me azucrinando pra gravar um compacto , coisa que ele raramente faz. Mas nesse dia ele fez. E ele queria uma coisa direta. Parece que era isso que ele queria pra mim, na época. Eu fiquei danado. Tinha feito um monte de canções e estava de saco cheio de tudo aquilo. A gente já estava gravando há tempos, e eu estava cansado da situação. Naquela noite específica eu cheguei em casa, sentei na cama e a primeira coisa que me veio à cabeça foi que já tínhamos um disco , mas que ele não estava necessariamente fechado. Eu podia mudar tudo, se quisesse. É isso que eu me lembro de ter pensado: se eu quiser, posso mudar tudo, agora mesmo.

Daí que peguei a guitarra e me veio este verso:" Eu me levanto de manhã e não tenho nada a dizer". Eu já tinha esse verso fazia algum tempo. Aí pensei, pois é, tenho que ser direto , estou falando de mim. E o que é que eu costumo fazer? " Eu me levanto à noitinha". E ficou assim. O resto da canção saiu ali, na hora. Eu tinha sacado que estava entendiado, cansado, de saco cheio daquela mesmice.

Gravar um disco costuma ser um trabalho mental. Ás vezes eu gosto disso, mas também curto fazer coisas, tocar. De quantos ângulos você pode abordar uma mesma coisa? Num certo sentido, o lado analítico da minha personalidade tem me ajudado a aprender , porque sempre questiono o que estou fazendo e a examino de todos os ângulos possíveis- e aí troco tudo! Sou um cara cheio de reviravoltas. Faço uma coisa durante um bom tempo e aí de repente resolvo fazer uma turnê que dura um ano e meio, e eu barbarizando no palco todas das noites, até que dou outra guinada. Na verdade, nunca consegui equilibrar essas coisas com naturalidade. Faço um negócio até sentir vontade de explodir, e aí... bum! Fico armazenando energia por tanto tempo que de repente ela se solta e eu fico esgotado. Depois eu volto para aquilo e espero tudo pintar de novo. Isso me dá uma certa motivação, mas não deve ser a melhor maneira de viver. A gente tem exagerado um pouco, no sentido de turnês excessivamente longas, intensas, um exagero de atividade... E os intervalos de descanso também têm sido longos. Eu gostaria de equilibrar as coisas um pouquinho melhor, daqui pra frente.

Tem alguma pessoa em particular para quem você componha?

Pra dizer a verdade, não. Eu componho pra quem estiver ali, pra quem quiser ouvir. Quando subo no palco, sempre me lembro de um concerto do The Who que eu assisti , no Convention Hall de Asbury Park, em 65. Quando subo no palco, sempre imagino um garoto na plateia. Agora é diferente, porque agora fico imaginando um cara que assistiu àquele concerto quando tinha dezenove anos, há dez anos atrás, e que hoje está carregando um garotinho nos ombros e até trouxe a mulher. E também tem uma garotada de dezesseis, dezessete anos. Quer dizer, ficou um pouco diferente. Mas geralmente eu tento pensar: "Talvez ali esteja um garoto de quinze anos que tem vontade de tocar guitarra. Talvez ele tenha boas ideias. E esta noite tenho que dar o melhor de mim, tenho que ser melhor do que nunca. Porque eu quero inspirar esse moleque. Não importa se ontem foi bom, ou se amanhã vai ser bom". E isso é ótimo. Isso me deixa em ponto de bala.

Em Nebraska, você assume o personagem de um assassino. Você não se preocupou com a possibilidade de gerar simpatia por alguém que talvez não mereça nenhuma?

Quem é que não merece simpatia?(risos). A questão não é de simpatia ou de compaixão; é mais no sentido de se perguntar: quais as implicações de se falar desse tipo de incidente? É até engraçado, porque no fundo, no cômputo final, eu provavelmente estava usando o Charlie Starkweather para falar de mim(risos), principalmente. Se você pega um livro como The Executioner's Song( de Norman Mailer), você pode até se perguntar: "Será que o simples fato de escrever sobre determinada coisa a glamoriza,a idealiza de alguma maneira?". Eu não sei. Acho que essa questão se coloca cada vez que você compõe uma música. Acho que quando fiz essa canção eu estava um bocado deprimido, e ela me arrastou.


Naquela sua velha fita demo, "If I Was The Prieste", Jesus o persegue com um revólver; e em toda a sua obra existe esse sentimento de um Deus que o persegue dizendo "Voltei!". Outros compositores têm o cão a persegui-los, mas você, geralmente, vive fugindo do Cão do Paraíso

Provavelmente(risos). É que me encheram o saco com isso, quando eu era criança. É interessante, porque depois que terminei o primário, exigi que me mandassem para uma escola pública. Meus pais queriam que eu fosse para um ginásio católico , mas eu estava até aqui com tudo isso. Não estava dando certo comigo. Não posso dizer que já tenha olhado minhas canções por esse lado, mas não me surpreende que isso apareça nelas, porque depois que saí do primário, a única coisa que eu queria era que me deixassem em paz com as minhas ideias pouco ortodoxas. Acho que acabei me virando com elas. Mas aquelas pressões, aquela imposição, as coisas que nos enculcam pela TV... Talvez isso funcione com outros. É evidente que funciona. Tem gente que alcança a redenção. Eu prefiro me danar de outro jeito...

Na verdade, não costumo ficar assim, emitindo julgamentos sobre essa situação. A fé é uma coisa tão pessoal... Aquilo que te leva a ter esta ou aquela fé é importante , mas o fato é que eu me sinto à margem disso. Depois de conseguir que me tirassem da escola católica, nos anos cinquenta-uma experiência notória!- não tive nenhuma tendência natural a me situar dentro de alguma religião ortodoxa, ou mesmo de alguma filosofia que me ajudasse a resolver os meus problemas pessoais ou a responder as minhas dúvidas existenciais.

Acho que o que me importa são as coisas sem resposta. Os buracos- os mistérios- é que me parecem importantes. A nível de composição, é o que importa. Quando você nem sabe como compôs uma canção, é nesse momento que você compõe uma boa canção. Acho que esse contato direto, por assim dizer, com um Deus que você imagina como seja, ou acredita conhecer- " Ele é católico, e não judeu!", ou " ele é judeu, e não fundamentalista: assunto encerrado"- pra mim, isso é viver num mundo de sonhos. Pra mim, isso que é viver no quarto dos sonhos. Como é que alguém pode chegar à verdadeira natureza da espiritualidade quando, na verdade, dependendo do seu tipo de cartão, você fica à margem de tudo ? Pra mim, nesse sentido , tudo isso é totalmente ridículo. Sem falar na pretensão, pura e simples, de você achar que sabe! Essa tradução literal da Bíblia , essa crença de que " Isto é assim e pronto, não tente de desviar", sempre me pareceu pretensiosa. Não sei como esse tipo de arrogância- acreditar que você está por dentro da palavra de Deus- poderia significar algum tipo de espiritualidade verdadeira.

As pessoas usam o manto do misticismo como mecanismo de controle. Isso me cheira a falsidade. No fundo, foi assim que ele me foi apresen-tado, na infância. Não havia nenhum interesse em me aproximar da realidade de Deus. Aquilo não passava de um mecanismo de controle, usado por pessoas que já haviam sido manipuladas por outras. Aos treze anos, eu já estava de saco cheio. "Chega!". E imagino mesmo que essa questão espiritual esteja presente em toda a minha música. Certamente em "Born to Run". Em "Nebraska". Só que pra mim é nos mistérios, nos buracos , que está a coisa. Tudo bem. Acho ótimo assim.

Nenhuma força externa prejudicou tanto a igreja Católica quanto as freiras supersticiosas e os maus professores.

É. Inclusive para eles mesmos. É uma pena. A transformação da religião e do misticismo em superstição. Comigo foi assim. Tenho certeza de que muita gente passou por isso. É uma pena, imagino, que a minha experiência tenha sido muito negativa. Daí é que agora eu sigo o meu próprio caminho. Mas sei que muitas pessoas extraem alguma coisa da religião. Pessoas que tiveram experiências parecidas com as minhas, mas que ainda conseguem se alimentar dela. A esta altura, sou bastante aberto nesse sentido. Não sinto necessidade de me definir nesses termos. O mais perto que você pode chegar dos meus sentimentos sobre isso isso é através da minha música.

Muitos dos que alcançaram a sua posição se voltam para a religião: Elvis, os Beatles, Dylan, Michael Jackson, Prince. É como se, depois de virar o Número Um, não houvesse outra direção a tomar.

Acho que isso acontece porque as pessoas ficam querendo respostas. Não posso falar deles, porque não sei. Mas geralmente as pessoas exigem respostas. E é até engraçado, porque é uma coisa muito infantil. Criança é que quer que o papai saiba tudo. Imagino que uma interpretação rigorosamente literal dos livros santos pelo menos dê às pessoas uma ilusão a respeito de algumas coisas. Talvez isso baste para muitos. Talvez seja com essas ilusões que elas queiram viver. Mas eu acho que essa cobrança de respostas é arrogância. Pra que tantas respostas?

Acho que certas pessoas chegam a um momento em que nada mais dá certo. As coisas que eles imaginaram que lhes dariam satisfação não lhes trouxeram nem alegria nem paz de espírito. Talvez as pessoas achem difícil viver com a ideia de que a paz de espírito significa justamente deixar rolar. E é natural, então, que saiam à procura de algo. E aí, se você disser " Eu quero uma resposta para isto", é claro que vai aparecer um monte de gente querendo te dar essa resposta. "Tenho uma aqui, é só 29,95, prontinha, embaladinha" Tem pessoas que precisam dessa coisa concreta. Chega um momento em que precisam disso. Já conheci pessoas que estavam transando drogas pesadas e que foram salvas por uma religião fundamentalista, foram salvas por Jesus. Foram mesmo, foram mesmo, Agora, isso também é apenas um ponto de partida.

Acho que tudo depende das necessidades de cada um. Nunca senti necessidade desse tipo de concretitude. Sorte minha, talvez. Gosto das coisas escancaradas. Já tive épocas em que nada dava certo para mim, que os meus conceitos antigos desmoronaram, por já estarem superados- mas nem por isso quis buscar outra coisa. Quando você supera uma ideia, isso quer dizer que você cresceu, que você está ficando mais velho. Acho que há um ponto na vida da gente em que as antigas ideias deixam de funcionar; e seguir em frente assusta, sempre. Para estar vivo, realmente vivo, você tem que estar sempre avançando para o desconhecido. Você tem que penetrar na escuridão. E o teu consolo é a tua mulher, talvez os teus amigos, a tua obra, alguma coisa que você tenha feito e da qual você se orgulhe. O único consolo é a tua ligação com essas coisas. É tentar estabelecer uma linha de contato com a tua comunidade. É por isso que as pessoas se agrupam.

E isso faz sentido. Porque é preciso sempre penetrar nessa escuridão, nesse lugar desconhecido. Porque é nele que mora o dia seguinte.