Saturday, March 31, 2012

Marcelo Montenegro


Restos de Estúdio
"Cada cigarro fumado na madrugada fria do posto
de uma cidadezinha absurda qualquer
durante a parada do ônibus.
Quantas imagens apodrecidas
na garganta seca das descrições,
Canções que não chegaram a tempo.

Quantos dentes pintados de preto
nos retratos sérios dos livros de História,
Tanto amor que virou desespero.
Cada silêncio perdido no grito,
Tantos cacos de vidro em cima dos muros,
Como se eu mesmo os tivesse escrito.

Quantos versos criados a bordo e não anotados,
Tanto rancor latejando
na mudez de socos não redigidos,
Tanta fita cassete e as gargalhadas
de todos os loucos
espanando o sublime do mundo.
Quantas giletes cuspidas de um pulso,

Quanto caderno novo começado,
Quantas falas roubadas de amigos,
Tantos pântanos não soletrados.
Quanta inocência colhida em varandas de abismos
que eu carrego comigo
como um tesouro afundado.

Velhas variações sobre a produção contemporânea 

Agora mesmo algum maluco
deve estar postando qualquer treco
genial na internet,
alguém deve estar pensando
em como melhorar aquele
texto enquanto lota o especial
de vinagrete, perseguindo
obstinadamente um acorde
voltando da padaria.

Agora mesmo alguém
pode estar pensando
que guardamos só pra gente
o lado ruim das coisas lindas -
assim, trancafiado a sete chaves
de carinho - alguém
pode estar sentindo
tudo ao mesmo tempo
sozinho, assim brutalmente
sentimental, feito coubesse
toda a dignidade humana
num abraço tímido.

Agora mesmo alguém deve estar limpando
cuidadosamente o cd com a camisa,
pulando a ponta do pão pullman,
sentindo o baque da privada gelada,
perguntando quanto está o metro
daquela corda de nylon, trepando
no carro, empurrando o filho
no balanço com uma mão
e na outra equilibrando
a lata e o cigarro, agora mesmo
alguém deve estar voltando,
alguém deve estar indo,
alguém deve estar gritando feito um louco
para um outro alguém
que não deve estar ouvindo.

Agora mesmo alguém pode estar
encontrando sem querer o que há muito
já nem era procurado, alguém no quinto sono
deve estar virando pro outro lado,
alguém, agora mesmo, no café da manhã
deve estar pensando em outras coisas
enquanto a vista displicentemente lê
os ingredientes do Toddy. 

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