Tantos nomes, tantos cpfs e tantos ceps. Trabalhava há alguns anos numa empresa de digitação. Era íntimo desde o dono da empresa até o faxineiro(que faltava mais que eu). Várias vezes levei papel higiênico de casa para poder cagar à vontade. Algumas horas eu ficava tão estafado com o trabalho, que, sem querer eu colocava as ficha das pessoas no bolso e tentava encontrar alguma forma de paz lendo aquilo.
Na minha empresa ou era um calor desgraçado, ou parecia que estávamos em um iglu. Colegas de trabalho eu tinha dois, ou três, quando pegava amizade com um, era demitido. Não entendo como ainda estou lá.
Vocês ainda não entenderam o que eu faço? Bom, nem eu entendo, às vezes. Só sei que normalmente eu preciso encontrar o CPF das pessoas, encontrar o maldito devedor no Serasa, é um trabalho meio de delator, "ahá, encontrei você, bastardo, pode arrumar uma grana, assalte um banco, peça pra sua prima, seu nome vai ficar sujo, meu chapa!", nunca entendi esse negócio de seu nome vai ficar sujo, mas tudo bem, são expressões de uma país de bosta.
Estava um calor senegalês, um calor ensurdecedor, minha cabeça estava prestes a explodir, pensava em pular numa piscina de coca-cola, quando tive a estúpida ideia de dar uma olhada nas fichas dos cpfs.
Lendo cada nome estúpido, rimam o nome da mãe com o do pai, pegam o nome do cachorro e do galo de briga e criam um excelente nome, o mais criativo que passei meus olhos foi Elvis Presley Pedro, dentre esses, um nome me chamou a atenção... na verdade, não foi o nome, mas o rosto da menina. Fiquei apaixonado na hora. Coisa mais clichê, fala aí?! Hoje em dia um cara se apaixonar por uma foto é muito anacrônico, deveria ser internado quem é acometido por esse crime.
Resolvi ligar para essa pessoa. É, eu sei que é loucura, mas como diz um amigo meu:" tá com vontade, faz". Liguei a cobrar, na primeira vez desligaram, na segunda um cara me xingou de uma forma carinhosa:" fala, bichona, vou comer seu rabo", eu como não ligo para xingamentos, meu irmão vivia me botando apelidos depreciativos, o melhorzinho era cabeção.
-Gostaria de falar com a Raquel
- peraí que eu vou chamar essa piranha, "ô Raquel, tem um viado na linha"
Era mais fácil ele ter falado "tem um boi na linha". Combinava mais.
-alô
era voz mais linda que eu tinha ouvido na vida
- alô
-alô
- moço, o senhor vai ficar nesse "alô" até quando?!
-oi, desculpa, meu nome é Carlos, e tenho uma proposta de emprego pra você
-sério? bacana, estou precisando mesmo, de onde é?
- é da clínica de aborto
tum tum
É, não comecei muito bem. O que houve a seguir foram tentativas desesperadas de um homem apaixonado pela garota do CPF.
Ou ela nunca estava em casa, ou atendia o cara mais educado do mundo.
Dia 17 de dezembro, eu tenho anotado no meu diário, é, eu sei é coisa de baitola ter um diário, mas um dia eu vou virar famoso e vocês publicam esse meu diário, mesmo não querendo vocês vão fazer igual aos familiares do Kurt Cobain e publicar assim mesmo que eu me matar.
A encontrei na padaria perto de sua casa, na cartela do CPF também continha seu endereço. Me aproximei dela, e sem saber o que falar, perguntei o que ela achava da queda do meteoro.
-Que meteoro?
Ela não lia jornal.
-Na Rússia
-Não tô sabendo de nada
- Posso te pagar um conhaque?
-São 9 horas da manhã?
-Tá certo
-Um pão na chapa?
-Pode ser
Conhecia o garçom pelo nome de tanto frequentar aquela padoca em busca da Raquel.
-Ok, doutor, saindo dois pãezinhos quentinhos na chapa, manteiga ou margarina?
- Raquel, o que você prefere?
- Como você sabe o meu nome? manteiga
-Bom, isso é uma longa história, só sei que você é a mulher mais linda que eu já vi, e quero casar com você
- Que é isso, senhor?! eu sou casada
- E daí?! eu também sou... ou melhor, era.
Era mentira, é claro. Nunca casei, e nunca casaria, a não ser se a Raquel me dissesse sim.
Me encontrei com elas mais umas cinco vezes na padaria até conseguir dar o primeiro beijo.
Ela só morava com o palerma que minha xingava no telefone e a chamou de piranha. Seu sonho sempre foi casar na igreja de véu e grinalda. Eu não queria, mas por ela eu até toparia olhar para a cara de um padre pedófilo. Odiava religiões, mas também odiava os ateus.
Cinco longo meses se passaram até eu poder ver Raquel nua pela primeira vez, e não foi ao vivo e a cores, e sim ela me fez um strip no skype, algumas horas senti vontade de rir, mas bati a melhor punheta da minha vida.
Mais cinco meses até nos decidirmos casarmos. Ela resolveu que só iria fazer amor comigo se eu casasse com ela. Tudo bem. Concordei, é claro.
Chegando perto da data do nosso casamento, me bateu uma vontade louca, desesperada de contar pra ela como eu a tinha conhecido, como eu tinha pego seu cadastro, telefone, cep e o malfadado CPF.
Eu não conseguia pensar mais em nada, achava que a estava traindo, precisava contar a verdade, não tinha a menor ideia de como fazer isso. Não conseguia mais conversar, nem comer. Ela achou que eu estava nervoso pelo casamento, nervoso pela nossa noite de nupcias, nossa viagem para a Turquia, era nada disso.
No dia do casamento, não consegui pregar o olho uma vez sequer, fiquei parecido com um personagem do Walking Dead.
Os parentes começaram a chegar, igreja lotada, eu suando, suando, lembrei do dia que resolvi olhar aquelas fichas cadastrais, calor senegalês. Ela chega com uma hora de atraso, eu não estou mais aguentando em pé, penso que não vou aguentar ficar para a festa, será que pega mal ir dormir?!
Ela está linda, a cada dia eu achava que ela estava ficando parecida com uma artista de Hollywood, e o otário aqui ficando um traste. Ela me dá um sorriso que faria o meteoro se despedaçar, eu era um homem de sorte, mas iria estragar tudo.
O sermão do padre começa, aquela cerimônia ad infinitum, vêm a hora mais temida, sempre sonhei que alguém falasse nessa hora:" eu, eu me imponho a essa merda de casamento".
- Raquel, preciso falar uma coisa
- Oi? fala mais alto
-Preciso te falar uma coisa
- Eu também te amo, meu amor
- Não, não é isso
-Hã?
-Não Não É Isso!
O padre começou a olhar pra minha cara e estranhar muito que uma modelo se casasse com um zumbi, mas ele continuava as lindas palavras da igreja, de Jesus, nunca entendi, Jesus não se casou, mas tudo bem.
-Preciso lhe falar como eu te conheci
-Carlos, você está louco, você está atrapalhando a cerimônia-você me conheceu na padaria, não tô entendendo...
- Não, eu trabalhava como digitador numa empresa, e um dia eu peguei uma ficha sua, peguei seu endereço e o seu telefone e te liguei
"A senhora aceita o Carlos como o seu legítimo esposo?"
-Não!
Não? A igreja fez um óóó, o padre voltou a perguntar...
-Raquel, eu precisava te contar a verdade
-Carlos, vai pra puta que pariu!
Ela saiu correndo do altar, e eu ainda berrei:
SEU NOME ESTAVA LIMPO!!!
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