Friday, March 16, 2012

Vixi Maria! Fraco o poeta Sergio Mello

A Maravilhosa Fábrica de Chocolates

meu pai assassina minha mãe
paulatinamente
não a pauladas 
mas sugando pelo ouvido esquerdo dela
um pouco do oxigênio que a põe de pé todas as manhãs
todo jantar é assim
meu pai nos dá a honra
de suas sinfônicas chupadas em ossos de galinha
“isso é jazz” ele diz
e minha mãe
a hora exata da formação de uma ruga
em seu rosto de rochas bronzeadas em canaviais
creio que eu seja o único garoto no mundo
que já presenciou a violenta formação de rugas num rosto de mulher
fenômeno antes simulado apenas em bonecos de farmácia
e que agora segue numa fita regravável pro National Geographic
meu pai sempre achando que o jantar será sua última refeição
comendo depressa
como se usasse baquetas no lugar de talheres
e se engasgando roxo
e eu dando entrada no pronto socorro
com seu corpo magro de Jesus Cristo nos braços
“Moro nos porões da antiga fábrica de chocolates” digo a atendente
“onde atualmente se fabricam covardes”
minha mãe já não pode mais
com tabletes de manteiga de hotel
e passa as noites em cima da casa
pra evitar que alguma amante do meu pai
jogue terra de cemitério em nosso telhado
“maldições podem destruir uma família” ela diz
do meu pai tem a velha motocicleta
a velha motocicleta vinho e é de noite
penso em tocá-la
mas como acontece há quase 30 anos
não o faço


Sergio Mello já teve seus poemas publicados na Revista Coyote e em diversos sites de literatura. É autor do livro No Banheiro Um Espelho Trincado (Ciência do Acidente/2004). Vive em São Paulo.

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