Thursday, March 08, 2012

BRUCE SPRINGSTEEN AINDA CONSEGUE NOS EMOCIONAR
Por Regis Tadeu

"Você não precisa passar o tempo todo envolto em literatura russa, mergulhado em livros que nunca pesam menos de dois quilos, para encarar um disco como se fosse uma "jornada espiritual". Dá para fazer isto usando apenas boas doses de sensibilidade, amor pela poesia e pela contundência das palavras, ouvidos e mentes abertos, predisposição e, claro, atenção redobrada de todos os seus sentidos.

Veja o caso do novíssimo disco de Bruce Springsteen, Wrecking Ball. Como sempre, ele oferece um roteiro poético/musical para que as pessoas mais espertas entendam o que está acontecendo nos dias atuais, o que nos leva a constatar o óbvio: não dá mais para negar que a maneira como suas canções estabelecem uma perfeita interação entre elementos instrumentais e as respectivas letras põe Springsteen em um patamar muito próximo ao de Bob Dylan.

A crise financeira pela qual passa os Estados Unidos é um dos grandes personagens deste álbum. Há uma simbiose entre o passado e o presente em cada timbre empregado nas canções. Além disto, Springsteen aponta o dedo nas feridas causadas por um capitalismo desenfreado, pela supressão dos prazeres comuns pelo consumismo estéril e pelo distanciamento espiritual.

Por outro lado, a produção de Ron Aiello busca justamente privilegiar uma atmosfera celebratória a reinar em todo o disco, como um elemento de contraposição. Durante a audição, esta sensação de "coesão turbulenta" transparece em cada uma das faixas, como que querendo mostrar que é possível chacoalhar as pernas na tristeza.

"We Take Care of Our Own" é daquelas canções imponentes que Springsteen faz como ninguém, sem jamais ficar em um meio termo e pronta para receber a devida ovação do público. "Easy Money" traz a pegada country rock de sempre, mas encorpada por uma bateria musculosa e arranjos cheios de cordas e rabecas, sendo uma daquelas músicas de celebração e crítica que Mike Ness, do Social Distortion, daria um braço para tê-la composto. A delicadeza rústica de "Shackled and Drawn" evoca um congraçamento de sentimentos que dificilmente deixa de ser ignorado por quem tem um mínimo de sangue quente correndo nas veias.

A visceralidade com que a maioria das canções é tratada recebe uma pausa na tristíssima "Jack of All Trades", com belo solo de guitarra de Tom Morello, do Rage Against the Machine, ao passo que a abordagem marcial de "Death to My Hometown" evidencia a atmosfera sonora irlandesa que permeia grande parte do disco, contrastando enormemente com a paisagem sombria construída pelas letras.

"Land of Hope and Dreams" e a faixa-título trazem uma carga de emoção tão bem emoldurada por belas harmonias e melodias que fica difícil não se lembrar de um tempo em que canções eram buriladas como obras de arte e não vendidas como produtos descartáveis, ainda mais porque ambas trazem belos solos do falecido saxofonista Clarence Clemons, o eterno parceiro de Springsteen cujo espírito paira em todas as faixas.

Springsteen também acertou a mão na mistura de gospel, soul e até mesmo rap na boa "Rocky Ground", no modo como colocou pungente pontuação guitarrística na ótima "You've Got It" e ao expor sua fragilidade na letra da linda "This Depression". Isto sem contar o modo brincalhão com que pegou emprestado o astral e algumas notas da clássica "Ring of Fire", de Johnny Cash, na esfuziante "We Are Alive". Dá até para sentir a piscada de olho que Springsteen deu na hora de gravar isto.

É um disco que não está longe das grandes cidades e muito menos distante do interior. Springsteen reafirma inconscientemente que há vida inteligente nos subúrbios e que não existe sinal de esperança se não acreditarmos que podemos melhorar o ambiente em que vivemos, reforçar os laços familiares, colocarmos nossa autoestima lá em cima e combatermos a falsa premissa de segurança da classe média."

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