Wednesday, September 26, 2012

CONCERTO PARA A VIDA



Eu poderia começar assim: dizendo que, quase termino o meu namoro de sete anos para assistir o Bruce.

Eu poderia começar assim: dizendo que achei que nunca iria assistir um show do Boss, seu irmão, saxofonista da E-Street Band, Clarence Clemons(Big Man), nos deixou, por isso um imortal como o Bruce Springsteen, também poderia morrer, e os fãs brasileiros ficariam órfãos por nunca ter presenciado esse concerto para a vida.

Mas eu vou começar contando um pouco da minha chegada em Nova Iorque...

Estava apreensivo, primeira vez viajando sozinho para um país desconhecido(já tinha ido para a Disney em 2001, mas não dá pra comparar), sem falar direito o inglês, tentando entrar em um país que é muito rigoroso , ainda mais com os brasileiros. Na véspera tinha lido no jornal, que 15 brasileiros foram presos tentando entrar pelo Panamá. Ainda na mesma semana, um pneu da Delta( a companhia aérea que eu viajei) furou(risos), alguma coisa assim, e ainda durante o Us.Open( um dos maiores torneios de tênis do mundo, 1 dos 4 Grand Slam) algumas partidas foram paralisadas em decorrência de um furacão, ou seja, tudo isso contribuiu para a minha ansiedade e nervosismo se aflorarem.

Dentro do avião, fui escutando vários discos, o tal do Eric Church, que fez uma  canção chamada "Springsteen", o novo do Jack White, o "Twenty" do Pearl Jam. A Patrícia Grillo disse que no voo delas, havia dois discos do Bruce.

Aportando nos States, aquele frio na barriga, muitos brasileiros, fiz amizade com duas vacas(como assim? Calma, mais tarde eu explico), na imigração para entrar no país do Bruce, fui recebido por um simpático policial, de longe ele parecia ranzinza, me enganei bonito(ainda bem!), falei pra ele que tinha vindo do Brasil só pra ver o cantor americano, mostrei o ingresso, o policial adorou! "Olha, ele vai assistir o Bruce", disse para um outro funcionário que estava ao seu lado. Como é bom ter o passaporte italiano.

Minha amiga Patrícia, comentou que no caso dela, o cara até perguntou qual era a música predileta dela, da discografia do músico. Imagina na hora a agonia que deve ter dado, acho que eu iria me embananar e mandar um "eu quero tchu, eu quero tchá".

Mas não é assim em todo lugar não, pegamos um taxista que não fazia a menor ideia quem era o Bruce, mostrei para um garçom do hotel, o ingresso, ele ficou olhando, olhando, e não mexeu um pelinho do rosto...

Como disse o amigo Blanco, nos Estados Unidos o Springsteen é o Chico Buarque aqui do Brasil.

No dia 19 de setembro, uma quarta-feira, sol, calor, peguei meu ingresso do show(já garantido no Brasil, graças  a dica do amigo Márcio... que emoção quando o ticket chegou na minha casa!), e fomos para a rodoviária de Nova Iorque, pegar um ônibus para New Jersey( a hometown do Bruce). Um parênteses: que organização desses caras, o ônibus sempre está lá, te deixa na porta do estádio, na volta a mesma coisa, primeiro mundo é outra coisa.

No horário dos ianques eram 13h15, quando eu e as duas Patrícias encontramos os outros brasucas vindo de todos os lugares do Brasil. Foi uma farra. Márcio(que eu já havia conhecido no encontro do pessoal da comunidade do Bruce, num barzinho em Moema), Fernando Vila, ou seria Vila Fernando?- um figuraça, eu olho pra ele e dou risada... Raphael, Bruno Campos, Maurício( aquele que faz uns belos covers do Bruce) com a sua camiseta do Botofogo. Coitado. Outro sofredor. O grande problema que o time dele não ganha nada há anos. E ainda o cara veio me zuar pelo meu time(eu usava uma camiseta do Palmeiras), eu nem preciso argumentar, é só pegar os títulos, he he...

Fomos todos para New Jersey, uma viagem rápida, 30 minutos, se não for menos, tinha feito esse mesmo caminho no dia anterior, as meninas quiseram ir para um outlet nessa mesma cidade. Pra dizer a  verdade, nem lembro o que conversamos nesse meio tempo, estava tão desesperado pra ver o Boss, que não prestava mais atenção em nada.

Alguns foram pegar seus ingressos no guichê, tinham comprado pela internet, outros com o ingresso na mão, nos deslocamos direto para pegar a pulseira. A pulseira era numerada, e dava direito a ficar no "PIT", um lugar muito próximo do palco, só alguns privilegiados conseguem. O meu número era 500 e pouco, ficamos aguardando na fila os portões se abrirem...

Um pouco antes disso, fiquei alucinado com a lojinha do Bruce, várias camisetas, bonés, comprei algumas coisas, na saída do show iria adquirir outros itens. É muito legal o entorno do estádio, vários fãs do Bruce promovem churrascos, se reúnem e ficam ouvindo o som do cara e bebendo umas cervejas.



Vi diversas camisas de todos os cantos do mundo, Noruega, Argentina, Itália, Brasil, entre outros.

Uma hora passou uma pessoa e gritou pra mim:" não pode entrar sem camisa no estádio!", era o corinthiano, Marcos, tirando uma com a minha cara, gente boa.

Além do esquema da pulseira, a organização do show realiza um sorteio para quem vai ficar mais à frente ainda do palco. O pessoal da fila da Patyboo, Fernando e Márcio foram os premiados.

Lá pelas 5 da tarde, conseguimos entrar no estádio, o show estava marcado para começar às 20h30. Quando entramos(Rapha, Maurício e esse que vos tecla) encontramos a camisa amarela do Brasil do Márcio, estavam bem acomodados em um excelente lugar, mas não acreditamos em saber que o Bruce fez um mini-show, tocando duas músicas antes do show principal. Incrível, por pouco não pegamos.

A cara da minha irmãzinha, Patrícia, estava demais, parecia anestesiada, parecia estar em nirvana,"Pedrão, eu vi o Boss, Pedrão, eu vi". Todos ali ficaram muito emocionados. A outra Patrícia(Rodrigues), apareceu até no telão chorando. O povo da nossa comunidade do Facebook, já presenciou  umas 100 vezes o concerto do Bruce, e nunca viram esse pocket show, foi muita sorte dos virgens em shows. Ele tocou "Growin'Up" e "For You" só no violão. Fico imaginando a surpresa quando   ele apareceu empunhando o violão... queria saber se foi ele que inventou esse negócio de aparecer assim, antes do show. Sei que o Eddie Vedder também faz, é claro que o Bruce é inspiração pra ele, inclusive, o Eddie já tocou a própria "Growin'Up", ficou muito cool.

Mais tarde, o moço que brincou comigo, surgiu ali no estádio, Marcos com o seu filho, Kalvin, que na primeira impressão me deixou bem puto, queria porque queria que eu beijasse o símbolo do Corinthians da sua camisa, já tava me estressando, depois vi que ele era um bom garoto. Não adianta os maloqueiros já estão tremendo de medo de enfrentar o verdão na Libertadores no ano que vem, rs.

No estádio só rolava(para a minha alegria) o The Gaslight Anthem.

O gentil, Fernando, me cedeu seu lugar para que eu ficasse mais próximo do palco, só que não contávamos com um americano super-ultra folgado. Talvez o americano tivesse razão, o número da pulseira dele era na frente do meu, mas, caramba, com certeza esse cara já assistiu o Bruce uma pá de vezes,e eu era a minha primeira vez. O americano tinha cara de nerd,(parecia um famoso ator, tentei lembrar quem era, não consegui) e estava acompanhado de uma mulher mais chata ainda. Percebi que os americanos com o Bruce tem uma mania de posse, todos os brasileiros contaram casos desses tipos, isso é doença, meus amigos, não é porque ele nasceu no país, estado, cidade, de vocês, que só existem vocês na face da terra, o Bruce é conhecido no mundo inteiro. É óbvio que eles tem preconceito com estrangeiros nos shows do Bruce, eles vão te pisoteando sem você perceber, fazendo você se diminuir, é uma merda isso.

Muito bem, voltando a história do americano, ele começou a reclamar , reclamar, uma, duas, três, 10 vezes, o Vila perguntou pra ele se havia algum problema, e começou a xingar o cara em português, é claro que ele ficou mais louco ainda... porém, eu ainda estava na frente do palco, entretanto, o idiota continuava a reclamar, aí não aguentei, puxei o cara para o meu lado e mandei um fuck you pra ele, quando exclamei, pensei comigo mesmo:"agora ferrou, o cara vai vir pra cima de mim, vou acabar preso nesse país", mas ainda bem que o cara arregou. Acho que ele percebeu que ia apanhar ali dos brasileiros. Fiquei comovido pelo jeito dos meus amigos, sentiram mesmo toda aquela situação, por ser meu primeiro show, e ter acontecido toda essa porcaria.

Fui um pouco pra trás do palco, o show estava pra começar. A música do Sinatra estoura os auto-falantes( no segundo show, um casal de americanos me testou se eu sabia quem estava cantando, como diria o Costinha:"tais,brincando?!") , as luzes se apagaram, os integrantes da E-Street Band vão entrando. Max, Stevie, Patti, Nils, Garry, Roy,PattiJake Clemons( o sobrinho do Clarence, substituiu o tio com muito talento), Soozie e os outros integrantes da banda, ao todo, 18, se não me falha a memória. E que banda!

E o HOMEM surge ali bem na minha frente...
De tanto assistir os show dele em dvds, parecia que já o conhecia de longa data. Mas é claro que ao vivo é diferente, muito melhor!

É chover no molhado  dizer que esperei minha vida inteira por esse momento, desde quando escutei a primeira vez o Boss lá com os meus 8 anos de idade, e hoje com 30, realizei o sonho da minha vida. Com o passar do tempo, fui ficando cada vez mais apaixonado pela obra desse genial vocalista e multiinstrumentista, me acompanhou e acompanha nos melhores e piores momentos. Por gostar de música pesada(heavy metal), o Bruce muitas vezes me acalmou, e sempre quando quero escrever, coloco o Bruce, que inspira facilmente a sair os textos.

O show começou com a música do seu mais recente álbum(Wrecking Ball), a "Shackled and Draw", adoro esse disco, não tem música fraca, aliás, como todo fã, acho umas 2 ou três fracas de todos os seus trabalhos, acho que tá boa a média, não,é?! 17 cds, quantas músicas ele deve ter? Umas 1000, compositor nada prolífico, risos.

A próxima foi a "Prove It All Night", do álbum divisor de águas, "Darkness On The Edge Of Town". Bom, cansei de ficar citando todo o set-list, vou colocá-lo aqui, e quem quiser, que procure as músicas(ui, machão!),http://www.setlist.fm/setlist/bruce-springsteen/2012/metlife-stadium-east-rutherford-nj-53dd8775.html

Não posso deixar de citar a participação do grande Vini Mad Dog Lopez, o primeiro batera da E Street Band, na magistral "E Street Shuffle".


Creio que nunca chorei tanto em um show como nesse,nunca me arrepiei tanto, fiquei muito, mais muito emocionado, o Boss tem uma magnetismo que poucos tem, em uma das músicas eu estava bem perto do palco, e consegui tocar no mestre(vocês podem ver no vídeo abaixo), sem palavras, no meu primeiro show, já conseguir isso, é muita sorte!

Quando cheguei em New York, o dia estava amanhecendo, quando deixava o país, estava um lindo pôr do sol, pode ser que isso não tenha significado nenhum, mas pra mim tem, eu vi o passado, presente e futuro do rock and roll(como já disse um importante crítico), e o nome dele é Bruce Springsteen, um cara que vai estar nos meus novos dias, nos finais dos dias, no começo, e até os últimos respiros...

OBRIGADO, BOSS!!!!

No final do concerto, nas últimas músicas, quase dez horas em pé, porque o show do cara não é pra qualquer um, 4 horas, praticamente de espetáculo, esse cara faz valer cada centavo do ingresso, e só pra avisar, ele tem 63 anos, completados no terceiro show dessa turnê em Nova Jersey. Existe muita bandinha aí que faz um show de uma hora e já estão todos morrendo. Estava acabado, minhas pernas não se mexiam mais, mas ainda  tive pique para pegar minha camisa do Bruce e ficar rodando no ar, na minha favorita canção, a música que passei um réveillon sozinho escutando sem parar, "Dancing In The Dark", eu estava no concerto da minha vida, eu não queria que terminasse nunca esse show. Poderia ficar 24 horas curtindo o show. É viciante, se Deus quiser, no ano que vem estarei de novo nesse maravilhoso país pra conferir mais um showzaço da turnê, estão dizendo que ele vem para o Rock in Rio, estarei lá.

Só o Boss mesmo pra fazer um cara acomodado como eu, pegar um avião e ir para outro país para assisti-lo, enfrentar chuvas, trovoadas, brigas e mais brigas, dar um desfalque enorme na conta da mulher que me trouxe para esse mundo( te amo, mãe!), e outras milhões de coisas, mas eu repetiria tudo de novo, por esse cara vale a pena, ele é a prova viva de que o rock and roll é feito por poetas que sentem a vida de outra forma, que dão o sangue no palco, deixam suas almas para os fantasmas carregarem como se fosse uma procissão em busca do paraíso.







NÃO É FÁCIL SER O HERÓI




Do lançamento da caixa "Darkness On The Edge Of Town" , resolvi escrever contos baseados nas músicas deste cd, não são traduções literais, e sim textos que me vieram à cabeça, assim que escutava o primeiro acorde. No Brasil não temos nenhum livro sobre o Springsteen, nenhuma biografia traduzida. Espero que esse seja o primeiro de vários.
 
 
Sou um fanático pelo "The Boss", desde aquele dia que meu pai me mostrou o disco "Born In The USA". No começo eu não entendia esse cantor americano, achava que era muito patriota , sempre me inspirei com as músicas dele, me dava uma vontade enorme de escrever ao escutar suas canções, talvez por ser um headbanger, fã de Sepultura, o Bruce me acalmava com suas lindas melodias. Quando fiquei mais adulto(será?) conseguia compreender suas letras cheias de poesia e de dor. Lendo o que o meu amigo e grande dramaturgo(escritor), Mário Bortolotto escrevia sobre o Bruce,sabendo que Sean Penn fez um filme sobre uma canção do Bruce, Eddie Vedder também o adora,(Rage Against The Machine... são tantos que sabem o talento do Bruce) vendo a admiração que o meu amigo Enéias sentia pelo cantor, sabendo que meu pai gostava cada vez mais desse esplendoroso guitarrista, "aquele texto sobre a solidão inspirado no "Ghost Of Tom Joad" foi uma obra-prima",minha amiga libanesa Layal,minha namorada síria,Hadil, e meu amigo Willy,a grande fanática pelo cara, my sister friend Patrícia(Patyboo) todos admiradores do Bruce(ah, não posso esquecer da minha mama, e da Lu, que adorava a música do Jerry Maguire(assim como o Willy, um dia devolvo o dvd,rs)por isso, e por todas essas coisas, eu amava cada vez mais o Bruce Springsteen. Este álbum,ops,livro, eu dedico para o próprio "The Boss", e para todas as pessoas que se sentiram atingidas pela magnitude desse gênio do rock, do contador de histórias americanas.


Recomenda-se ler os textos escutando o lp,k7,cd,video-laser,dvd,blu-ray, qualquer coisa, desde que seja Bruce Springsteen.
 
 
Epígrafe:
Thunder Road
 
"A porta bate;


O vestido de mary esvoaça com o vento.

Como uma miragem ela parece dançar pela varanda.
Enquanto o rádio toca.
Roy Orbinson está cantando para os solitários:
"Hei, sou eu e é somente com você que eu quero falar.
Não me mande pra casa de novo,
eu não suportaria me ver sozinho mais uma vez.
Nem fuja correndo pra dentro de casa,
querida, você sabe pra que que eu estou aqui.
então você está com medo e pensando,
que talvez já tenhamos passado da idade.
Mas tenha um pouco de fé; existe magia na noite.
Você não é a mulher mais linda, mas você é bonita.
e pra mim, até demais...


Você pode se esconder dentro das cobertas,
E estudar a sua dor;
Riscar os nomes de seus namorados
ou despedaçar rosas na chuva;
ou mesmo gastar todo o verão rezando
Pra que uma salvação apareça andando pela rua.
bem, eu não sou herói nenhum,
que isso fique bem claro.
toda a redenção que posso te oferecer, garota,
está debaixo desse velho capô.
com somente uma última chance de tudo dar certo.
bem, que mais podemos fazer...
A não ser que abaixe o vidro da janela
E deixe o vento assoprar seu cabelo para trás;
A noite se abre diante de nós,
Essas duas pistas podem nos levar à qualquer lugar
Temos apenas uma chance disso se tornar real;
Desde trocar essas asas velhas por rodas.
Suba aqui,
O céu está nos esperando na estrada
Oh oh venha, pegue minha mão
Seguindo hoje à noite para a terra prometida
Ah, queria que você viesse, queria que viesse
Ah, queria que viesse.
Eu posso vê-la, se estendendo abaixo do sol,
Sei que é tarde, mas chegaremos a tempo se nos apressarmos.
Ah, eu queria que você viesse, deixe pra trás o que não é importante.
Queria que viesse.


Bem, eu tenho essa guitarra
e eu sei como fazê-la cantar.
Meu carro está ali atrás,
Se você estiver a fazer a longa caminhada
Da porta da frente para o banco do passageiro:
A porta está aberta, mas a viagem não é de graça.
eu sei que você se sente sozinha;
e sei das palavras que eu nunca disse;
mas esta noite estaremos livre,
e todas as promessas serão quebradas!
Existem fantasmas nos olhos
De todos os garotos que você dispensou.
Eles assombram esta estrada empoeirada
nas carcaças esqueléticas de carros que morreram.


Eles gritam seu nome pelas ruas;
e o seu vestido de formatura está em frangalhos
e no frio que vem antes do sol nascer você ouve
seus motores rugindo sem parar;
mas quando você sai na varanda, o som se vai com o vento a assoprar seu cabelo para trás;
Então mary, me escute:
Esta cidade é dos perdedores
e eu só tenha a ganhar saindo daqui."(Bruce Springsteen)

 
  
 "Now I know your mama she don't like me 'cause I play in a rock and roll band"(Rosalita-The Boss) 

 
BADLANDS
 
Nas ruas escuras da cidade, um homem fica à espera do inesperado, ele sabe que nenhuma lágrima irá acompanhá-lo nessa solidão. Seu único cachorro morreu sem nunca ter conseguido emprenhar uma cadela. Seria o destino que faz um homem fracassado se unir a um cachorro vira-lata, sarnento,pulguento, e com três patas...
 
Kurt dizia que era uma terra abandonada essa em que vivia, não florecia nem uma rosa, não se podia plantar nem um mamão-uma das frutas mais fáceis de se cultivar,a verdade é que, ele não conseguia plantar nem uma alma. A única coisa que ele conseguiu foi enterrar seu cachorro Idol na sepultura.
 
Os pais de Kurt desapareceram do mapa, sem deixar vestígios, Kurt, com três anos de idade, ficou aos cuidados de sua irmã mais velha de 15 anos. Karen, a primogênita, não suportou o abandono dos pais, e fugiu com um bailarino do Cirque du Soleil.
Kurt e Milena, durante um bom tempo foram os dois únicos seres da face da terra. Apesar da diferença de idade, os dois irmãos pareciam que estavam  na mesma faixa de idade, a mesma geração, qual seria a geração desse século(geração Z,Y,W?) .
 
Nenhuma forma de carinho havia entre os dois, e sim muita cumplicidade para enfrentar os perigos da vida adulta. Quando Milena completou 21 anos , comprou uma casinha com o novo namorado. Nela moravam os três, mais o bebê que nasceria daqui alguns meses. Kurt, apesar da pouca idade,sentia que estava atrapalhada a vida do casal, sentia como se fosse um peso morto, um bode na sala...
 
Todo dia saía de casa com um violão e tocava para algumas pessoas no coreto da praça. A cidade do interior já conhecia a fama do garoto, os buchichos nas redondezas, nas cidades adjacentes, era que, logo logo o garoto iria ser descoberto por uma grande gravadora. Gênio era pouco para os elogios que recebia. Sua irmã nunca soube de nada, do seu talento, Milena nunca colocava os pés fora de casa,nunca...
 
Homens de negócios começaram a chegar na cidade para "descobrir" aquele garoto. Conversavam com ele, davam balas, chicletes, prometiam o impossível, pedófilos tentavam levâ-lo para um lugar mais afastado, mas ele era mais esperto que todos. Diretores de programas populares iam pessoalmente ao local, na esperança de alavancar a audiência de seus shows, eles tinham a mais absoluta certeza, que o garoto daria dias, semanas, anos, em primeiro lugar em todos os canais. Poderiam fazer com ele até uma espécie de reality show, "Show de Truman" dos novos tempos.
 
Não havia uma pessoa que não tentava fazer com que o garoto mudasse o som, que passasse a tocar àquela música da moda, "aquela porcaria que só serve para as meninas mostrarem a bunda?!", era isso que Kurt respondia, toda vez que o importunavam para cantar alguma música mais rentável, mais comercial.
 
Eles não entendiam, mas ele só queria tocar Bruce Springsteen.


 

 
Adam Raised A Cain
 
Adam era um cara de bem com a vida. Tudo na sua vida dava certo. Sempre foi o primeiro aluno da classe. A vida toda namorou as garotas mais bonitas da escola. Seus pais eram amáveis, ricos, carinhosos,adorados por toda a redondeza. Adam, em 1978 conseguiu comprar sua primeira casa na praia; detalhe: ele só tinha 18 anos. Não era nem um crânio, algo do tipo, muito pelo contrário, no teste dos gênios realizado todos os anos na cidade Corpus Christis, ele raramente conseguia completar todos os exercícios, e acabava ficando em último lugar. Em esportes ele não era muito bom, a única vez que se sentiu feliz nos esportes, em 1977, quando o punk invadia todos os lugares do mundo, ele disputou uma corrida no  colégio Guilherme Dumont Villares, era alguma festa junina, e naquele dia, Adam deixou seu pai orgulhoso por conseguir correr lindamente, não pegou nenhuma medalha, mas deixou o melhor velocista da escola estatelado no chão.
 
Vocês devem estar se perguntando:"nós ainda não sabemos como ele conseguiu a casa na praia com apenas 18 anos?". Bom, é uma longa história, no momento não estou com muita vontade de contá-la, algumas pessoas nascem com a bunda virada pra lua, com a sorte grudada no cu, já dizia minha avó, algumas pessoas não merecem esse Deus todo.
 
 
 
 
 
 Something In The Night

Larissa ouvia os gritos do seu cantor predileto. Toda noite. Ela conseguia atingir o nirvana ao escutar aquele solo de bateria. Chorava abraçada ao ursinho quando o saxofonista negro começava a soprar. Ela lembrava de suas amigas fumando na varanda. Recordava de como foi difícil e vergonhoso sua calcinha amanhecer coberta de sangue.
Durante anos, ela dizia que tinha sido a menarca.

Toda noite de lua cheia ela sentia o ódio percorrer suas entranhas. Seu casamento foi um dos mais bonitos que tive o prazer de presenciar. Pétalas de rosas despencavam do altar.
Ela sabia que Jesus estava dando mais uma chance à ela, ela tinha certeza que não merecia ser tão triste por toda a vida.
Sua internação em uma clínica psquiátrica não estava na sua biografia. Foi escondida.
Descobriram que ela após abortar seu único filho, estava tão desesperada que arrancou todos os pêlos e cabelos do corpo.

Não adiantava mais nada, Larissa continuava ouvindo os gritos daquela noite.



CANDY'S ROOM

Sean Morse e César Mortensen eram inseparáveis. Diziam que era até irmãos, seus pais deveriam ter trocado os filhos na maternidade. Possuiam o sobrenome quase igual. Sean gostava de dirigir pelas auto-estradas da cidade velha. Foi ele que ensinou César a "pilotar", era assim que chamavam no interior. Passavam horas discutindo filosofia: futebol, rock e garotas. Era filosofia para eles. Nunca gostaram de estudar. A única coisa que os satisfaziam era a comida da escola, e dar muita risada com os palermas de seus amigos. César foi escolhido o garoto mais feio da escola, Sean agradava as meninas mais velhas, principalmente pelos seus belos olhos verdes. Apesar de ter essa fama no colégio, Sean ainda estava indeciso quanto a sua sexualidade.

Uma vez, os dois amigos pegaram dois homens nus numa cama. Aquele assunto permaneceu um tabu entre os dois. Nunca falaram um A sobre isso. Clarence, o pai de César, não admitia que o filho escutasse rock, dizia ser música de brancos , para ele o que o garoto deveria ouvir era jazz, hip-hop,r&b. De tanto o pai encher sua cabeça, César montou uma banda de blues com Sean. No começo não agradavam muito a vizinhança, atiravam pedras, tomates, tudo o que tinha pela frente nos moleques.

Após fracassarem em todos os festivais do país, os grandes amigos desistiram da vida de músico. Passaram a trabalhar na padaria Eddie's, de propriedade da família de Sean. 
Em um dia de chuva, uma mulher de mais ou menos uns 25 anos adentrou a padaria: loira, olhos castanhos, cabelos de anjo, um corpo perfeito. Os dois ficaram completamente apaixonados pela mulher.

A primeira conversa que tiveram foi de uma estupidez sem tamanho, mas eu reproduzo aqui para vocês:

"Olá, posso ajudar?"- Sean  apressou-se antes do amigo, não tem certeza se usou as palavras certas
"Olá, sim, eu gostaria de 100 gramas de presunto, e dois leites semi-desnatados"
"Pode deixar, minha senhora, aqui nós temos tudo o que a senhora sonhar pedir"- César falou com uma propriedade de um rei da Escócia, o único problema que, ele disse essas palavras exibindo o seu sorriso sem os dois dentes da frente(perdeu em uma briga por um dólar com um sujeito chamado, Peterson, um irlândes que há pouco tempo tinha instalado sua mecânica no bairro), na hora, César se deu conta do sorriso banguela e nunca mais deu um sorriso para a moça.

"Senhora não, eu ainda sou muito nova"- se eles soubessem que já estou no meu terceiro casamento-pensou, a moça loira.

"Tudo bem, me desculpe, aqui está sua compra!"

Sean ficou puto, porque enquanto ele estava dentro do estabelecimento cuidando do troco, César foi na frente, tomou a compra do amigo,e entregou para a mulher.

No momento que ela estava deixando o Eddie's, os dois, como se estivessem em um coral natalino, perguntaram ao mesmo tempo:"qual é o seu nome?".

"Candy".

Eles ficaram atônitos, pois Candy era o nome da canção favorita dos dois amigos. 
Nem se tocaram que a moça acabou levando uma outra compra que estava ao seu lado do balcão, dando um prejuízo danado ao freguês mais fiel da padaria.

Durante dias os dois não pararam de escrever, e de bolar músicas em homenagem àquela garota. Todos os anos eles se sentiam tristes no final do ano, nesse último Revéillon eles tornaram-se prolíficos em compor brilhantes hits-  durante anos ficaram nos primeiros lugares nas paradas da Billboard.

O que ninguém sabia até agora, que Candy foi a musa inspiradora de César e Sean, e desde então, tiveram cinco filhos cada um com a mesma  mulher. E foram felizes para sempre.



RACING IN THE STREET

"Você não vale nada, sua ingrata, nunca pensei que a minha própria filha faria uma coisa dessas comigo...?!"
"Mas, mãe, eu não fiz nada de errado... ah, quer saber, dane-se tudo, você e essa sua mania de me tratar como criança... eu vou embora e nunca mais você vai ver a cara da sua filha, nem pintada de branco, você é a pior mãe do mundo,aaaaaaaaaa!"

Marilda e Pâmella ficaram sem se falar durante anos. Tudo movido ao álcool, e outros aditivos, as duas haviam se viciado com um canalha que Pâmella havia casado, o safado só queria transar com a filha. Marilda não entendia o porquê da mãe não deixar ela sair da cidade, aquelas ruas da cidade já não a satisfaziam por mais nada desse mundo, ela precisava pegar a estrada. Ficou sabendo daquele curso de artes plásticas em Serra Negra, ela precisava sair de lá de qualquer jeito, infelizmente(para a sua família) começou a namorar um garoto pobre.

Pâmella contava a filha o que tinha sofrido com homens pobres, para a filha nunca se envolver, em hipótese alguma. O pior de tudo era que, esse homem que Marilda estava apaixonado era de outra religião, seria uma vergonha para a comunidade, uma desonra para a família. "Por que ele precisa se converter? Estamos no século XXI, coisa mais retrógrada isso, parece que estamos no feudalismo, por que não posso ter a minha religião, e ele a dele?! Nós fazemos um casamento ecumênico, cada um na sua, isso é liberdade! Não é isso que esse país prega tanto?!".

"Minha filha, nossa família é diferente, o que nós lutamos e sofremos para manter tudo o que você tem do bom e do melhor, não foi fácil..."

"Como vou pedir para o meu namorado largas suas tradições? O pai dele é devoto de São Francisco, como vou pedir pra ele abandonar a forma que foi criado, o pai-nosso- que seu pai o ensinou todos os dias?"

"Cansei, vá!, sua ingrata,  você vai trair  sua família, case com um pé rapado, quero ver durante quanto tempo você vai aguentar isso, ele vai tratar você como uma empregada de quinta categoria...".

"Adeus, mãe".

Pâmela não acreditava no que estava acontecendo, sua própria filha a deixando assim, sozinha, por um cara que não sabia nem dirigir, para fazer um cursinho de artes plásticas, em uma cidade no interior que ninguém nunca tinha ouvido falar.

Marilda casou com Steve. Sua primeira filha se chamou Maíza, conseguiu provar para a sua mãe que poderia dar certo na vida, que já era adulta, que não era mais a filha, e  sim agora já era a mãe de uma família.

Após sete anos, Marilda resolve visitar a mãe, mostrar o neto para Pâmela. Do alto de seu casa, ele aguarda o momento que esperava há anos, não consegue controlar a ansiedade, coloca um cigarro na boca(não fazia isso há um ano), fica angustiada à espera de Steve para lhe contar a decisão.

O telefone toca, é um parente que ela nem lembra mais a cara,"oi,Marilda, estou ligando para informar que sua mãe faleceu faz uma semana, não consegui entrar em contato com você antes..."

Marilda não sabe mais onde está, vê o rosto do seu marido, enxerga um copo d'água próximo ao abajur, "você desmaiou..."  "Steve, é verdade, ou foi um pesadelo?", "é verdade, amor, não sei o quê dizer...".

"Me leve até a minha cidade natal."
"Agora?"
"Sim"
"São três horas da manhã!"
"Não tem problema, vou arrumar as coisas do bebê..."

Foi a pior viagem de Marilda, no caminho só lembrava da discussão, de como estava a cara da mãe soluçando com aquela atitude. Sua mãe tinha sido uma guerreira, nunca faltou nada na sua casa, sempre fez suas vontades, dava conselhos, muito diferente das mães que ela conhecia.

Marilda ao ver a casa de sua infância, não consegue conter o choro, ela diz para Steve ficar no carro com a filha. Ela quer entrar na casa sozinha.

Ela acende às luzes da casa, sente uma vibração boa, uma sensação que nunca havia sentido antes, alguém a pega na mão, será que foi isso mesmo que aconteceu?! Ela parece estar sendo guiada para dentro do quarto da mãe.

Abre sua gaveta, encontra milhares de cartas que sua mãe escreveu e nunca colocou no correio. Todas endereçadas à filha. 




THE PROMISED LAND

Pode ter certeza absoluta que indo para a capital você vai conseguir emprego. Toda manhã, seu amigo Max dizia isso. Ele não aguentava mais as tristezas da vida, era impossível pagar um café, um sorvete para um amigo, amiga, ele não suportava mais essa desgraça total, essa incapacidade de ganhar dinheiro. Desde muito cedo, desde quando era um pentelho, sempre trabalhou, de engraxate à lixeiro, fez de tudo um pouco. No entanto, ultimamente não aparecia um emprego. Nem um bico, nada.

Também com esse nome de perdedor, Travis, ninguém iria lhe dar um emprego, era isso que nosso personagem pensava. Infelizmente na sua cidade ninguém imaginava que só no cinema esse nome foi usado em dois filmes de grande destaque. Mas nem adiantava informar as pessoas, parecia que elas viviam em um mundo paralelo. Enquanto a maioria gostava de funk carioca, axé, pagode, toda essas merdas, ele curtia música clássica. Igual ao seu escritor predileto Fante. Travis, no fundo da sua alma sabia que tinha talento, não poderia permanecer pra sempre nesse torpor, nessa inércia, maldito diploma, às vezes quando estava para conseguir aquele trabalho, o diploma universitário era um enorme empeçilho , quem mandou não estudar?! Sua tia vivia dizendo isso pra ele. 

"Eu nasci em uma cidade pobre, um país de terceiro mundo, e ainda tem gente que reclama das chances da vida, tem muito filhinho de papai, que deveria dar graças a Deus, por conseguir ao menos um salário mínimo, digno para se trabalhar, bolsa-família é bom, mas pode ser ilusório para alguns, se acomodam, e vivem de pernas pro ar.. tá certo que nesse Estado, a nossa fama é de ser vagabundo, mas não é pra tanto...".


Tomou coragem e partiu para a terra dos trabalhos. No primeiro dia foi assaltado, levaram tudo, absolutamente tudo, ele precisou pedir um dinheiro no ônibus. No quinto dia na cidade, conheceu um cara bacana chamado Danny. O cara era italiano, boa praça, mas era metido com umas paradas erradas. No começo, Travis achou que seria alguma  máfia, não podia acreditar nisso. Não deu outra. O amigo era um dos cappos da máfia siciliana aqui no Brasil.

Na primeira ocasião, Travis ajudou o amigo a roubar um tapete de casa. Ele não levava jeito, conseguiu derrubar todos os copos em cima da mesa, fazendo um tremendo barulho, Danny achou que alguém da vizinhança iria conferir pra ver o que aconteceu. Por sorte deu tudo certo.
Danny dava casa e alimentação para o amigo. Hospedava o amigo em sua casa. A mulher de Danny odiava pessoas de qualquer Estado, que não fosse o dela. Era bem preconceituosa. No entanto, sempre preparava uns ragos da hora para o nosso personagem.

Travis não servia para a máfia, era destrambelhado, dava com a boca nos dentes, nem falar os ditados certos ele conseguia. Um belo dia, Danny cansou disso, e conseguiu um emprego de lixeiro para Travis. "De lixeiro? Mas era isso que eu fazia lá na minha terra!"  "E daí, você conseguiu emprego? Não! Ficou anos sem um mísero bico, aqui você sabe, aqui é a terra das oportunidades...".




FACTORY

O boxeador Vicenzo era um daqueles lutadores especialistas em entregar o combate. Normalmente estava devendo para Deus e o mundo. Seu pai o tinha ensinado para nunca deixar de ser honesto. No entanto, a dor no estômago de fome falava mais alto.
Costumava deixar ser nocauteado sempre no último assalto. No quinto. Lutas amadoras são disputadas em até cinco rounds.

Pegava sua harley e zarpava, com aquele sentimento de inadequação e de ter feito a escolha errada.
Um alemão enxeu tanto o saco dele, devia 150 reais, que Vicenzo não teve dúvida: deixou o agiota ensanguentado em frente a uma loja de brigadeiros.

Os anos foram se passando, até que no dia 28 de maio de 1982, ele resolveu que não iria mais entregar às lutas, e se tornaria o mais novo campeão mundial de boxe. Eder Jofre era parente de sua prima distante, Fatimah, era seu nome, uma moça árabe casada com um judeu. 
Existia uma velha fábrica caindo aos pedaços. Goteiras da chuva caiam sem parar.

Era preta de fuligem dos carros. Vicenzo todo dia treinava com seu inseparável amigo espanhol, Alvarez.
Alvarez era um boxeur aposentado, invicto, alguns mais próximos o chamavam de "Rocky Marciano". Ele dizia que, um grande pugilista deveria se movimentar igual a um tenista. Mostrava vários tapes de seu ídolo Gustavo Kuerten. Vicenzo gostava das horas que passava com o amigo.

Das conversas, e das risadas.
Numa ocasião, foram surpreendidos por três bandidos, irromperam a fábrica de madrugada.
Nocautearam os três em questões de segundos.

Alvarez recordava do tempo em que trabalhava naquela videolocadora. "Existia uma gerente e uma fedelha(ela fazia faculdade de letras), provavelmente as duas tinham um caso. "Como eu queria arrebentar a cara das duas piranhas, mas nunca deve-se bater em uma mulher, talvez no caso de uma traição...".

Vicenzo adorava a forma como o amigo encarava a vida.
O grande dia do desafio ao campeão mundial estava chegando... O nome do adversário era Nils. Vicenzo estava apreensivo.

A fábrica a cada dia ficava mais triste.




STREETS OF FIRE

 Como ele poderia acreditar em Deus? Era o que todos se perguntavam. A infância tinha sido um tormento, um inferno. Seus irmãos Roy e Garry não entendiam a dificuldade do irmão em se encaixar no mundo. Parecia que tinha nascido com um parafuso a menos. Patti, sua mãe, era a única que entendia o garoto. Dava dinheiro escondido para o filho, sem que o marido percebesse.

Alguns diziam que ele tinha Síndrome de Down, era muito agitado, ansioso, não conseguia articular uma frase correta. Muitas vezes faltava na escola, para jogar futebol com os amigos. Era o único momento que não se sentia um derrotado, e sim com um fogo dentro de sua alma pronto para vencer na vida.

Odiava a rotina, acordar todos os dias às 6h30 da manhã, almoçar no mesmo local, jantar olhando para a mesma paisagem, isso o frustrava cada vez mais. Cansava das pessoas tirarem sarro do seu jeito físico. Não era gordo, nem magro, nem bonito, nem feio, parecia ser um Garrincha, só que ao invés das pernas tortas, ele era inteiramente torto. E para piorar era suas espinhas, maiores do que uma maça.

Estava ficando careca com 18 anos, " essa porra de calvície, eu sou peludo pra burro, o único lugar que não tenho pêlo é na cabeça!".

Por uma sorte da vida, conseguiu entrar na faculdade. Lá odiava cada vez mais as pessoas. Não conseguia entender toda aquela alegria, as risadas falsas, o tênis da moda, a jaqueta de couro, o pior pra ele ,era no verão as pessoas irem de chinelo à faculdade, "será que ninguém percebe que é ridículo isso? Estamos na praia por acaso?!".

Na sua décima coxinha da noite, estava olhando a lua, quando uma garota morena se aproxima e pergunta seu nome.

"Juliano, o seu?"
"Rafaela...".

Começaram a conversar sobe tudo, todos os dias. Foi com ela que ele perdeu a virgindade. Foi com ela que ele entendeu a vida. E passou a sorrir.

Juliano tirou carta naquele 11 de setembro. Resolveu que iria viajar para Santos. Precisava dar uma escapada. Não aguentava mais o ciúmes da namorada. Não aguentava mais brigar ao telefone.

Precisava dirigir para qualquer lugar, qualquer rua de fogo. Precisava entender o que acontecia com casais que se magoam, se matam, estraçalham os corações um dos outros, "existe algo mais assustador do que estar apaixonado?", aquele ator(escritor) que tanto Juliano gostava , disse isso uma vez.

Ele se atirou do penhasco olhando a foto da garota, e acreditando no que Deus tinha lhe sussurado no ouvido.



PROVE IT ALL NIGHT

"Você precisa provar que me ama! se abdicar de alguma coisa, se privar, não fazer tudo o que gosta o tempo inteiro, se dedicar mais a mim, provar para a minha família e pra você mesmo, que não é um perdedor, que o nosso amor não foi em vão... não adianta só escrever , tem que fazer,provar... você se acha muito,não,é?!  saiba que eu poderia estar com alguém muito melhor que você, alguém com mais dinheiro, com uma casa digna, um emprego condizente comigo, viagens, roupas, carros, eu poderia estar em uma melhor situação financeira... o quê?!?! um poema não significa nada, um livro, uma palavra de carinho, isso não serve pra nada, não dá dinheiro, não sustenta uma casa, eu quero provas concretas, eu quero poder pagar minhas contas decentemente, e não ficar pedindo dinheiro emprestado, eu quero trabalhar honestamente , e nos finais de semana me divertir; sair para jantar, ir ao cinema,
não quero depender dos outros, não quero andar de táxi, não quero que seu irmão nos leve ao show, isso é vergonhoso pra mim, não quero ninguém me chamando de assaltante de banco, não quero ter vergonha de andar com você, com medo que alguém nos flagre... quero que você prove toda a noite, quero que você faça amor comigo. É só isso que eu peço...".



DARKNESS ON THE EGDE OF TOWN

 Kurt fez uma tatuagem da sua banda predileta. Ele, já faz alguns anos nunca mais tocou uma música do Bruce Springsteen. O convenceram que ele era um cantor pop, milionário, sem talento algum.

Largou a religião, abandonou todos seus antigos amigos. E passou a caçar pessoas com a alma atormentada, igual a sua. Matava a sangue frio. Sem dó, nem misericórdia. Frequentava prostíbulos em busca de mais almas mortas. Assistia a filmes pornôs ao lado de viciados, traficantes e travestis. Uma vez por mês ligava para a sua mãe, a ligação não durava mais de um minuto. Dizia que estava bem e só. Odiava a tecnologia, não tinha celular, não tinha Orkut, Facebook, Twitter, se vocês perguntassem pra ele o que era  a internet, talvez ele respondesse que ainda não tinha assistido a esse filme.

Todos os dias frequentava academias espalhadas pelo país. Seu corpo era uma máquina. Tinha que estar preparado. Seu objetivo era eliminar as escórias, a sujeira. Só uma vez amou na vida. Foi um gatinho amarelo que surgiu na sua cidadezinha. 

Kurt adorava esse jeito descompromissado que levava, não dar satisfações, não informar onde mora, pra onde está indo. Alguns psicólogos diziam que isso só poderia ser fruto de ter ficado tanto tempo preso àquela cidade escura.

Exatamente, sua cidade não possuia luz. Ele era o às no violão mesmo tocando sem enxergar nada. Descobriu que o seu ídolo de infância estava nas últimas. Pensou em acabar com esse sofrimento.

Após uma longa viagem, milhares de quilômetros percorridos, vários pneus furados, era a chegada a hora de encontrar o cantor.

Ela sabia que era seu último trabalho, depois dessa, iria se aposentar, e viver no mato, de preferência com um cachorro. 

Ele até tentou ter uma vida normal, mas no primeiro emprego foi assediado por uma mulher, ele se sentiu aviltado, humilhado. Sabia que uma vida normal não era pra ele.

Grades de ferro, vai ser difícil pular esse portão-indagou, cachorros de raça, aqueles mais ferozes estão só esperando para comê-lo... Kurt pula o portão como um ninja, dá um chute em um dos cachorros, no outro joga um pedaço de carne, deu tempo suficiente para entrar na casa do guitarrista, líder da banda que ele tanto admirava.

Kurt está compondo. Mário se aproxima , um garotinho o interpela:

- Ei, quem é você?
- Estou esperando seu pai

- Você parece um tira

-Garoto, você é esperto, mas, tira é exatamente o que eu não sou! Quantos anos você tem?

-10 e meio, amanhã completo 11

- Sabe se seu pai vai demorar?

- Não sei , ele disse que está gravando outro álbum

- Sério? faz muito tempo que não lança nada novo

- É, eu não tinha nem nascido já cobravam meu pai por um disco novo

- Você sabe qual vai ser o estilo; mais pro Born To Run, acústico como o Nebraska ou grandioso como o Born in The Usa?

-Ih, moço, o senhor faz muita pergunta...  você ficou feliz com essa notícia, deve ser um fã disfarçado de matador...

- Como você sabe que sou um matador?

- Meu pai me disse que qualquer hora dessas um doido viria matá-lo

- E por que você acha que sou eu esse cara?

- Pelos olhos tristes nesse domingo ensolarado

- Você me mostra a casa do Boss?

- Mostro...  quer ver meu boneco do Big Man? Ele era meu melhor amigo...

O garoto dá a mão ao Kurt, e os dois saem assoviando a melodia de Darkness On The Edge Of Town.


 
 
 
 
 




 
 

Esta canção é sobre...

pães amanhecidos
leites derramados
molho de macarrão na calça nova
velhas discutindo pela autoria da receita
pais reclamando do boletim do filho
garotos espremendo espinhas nos banheiros

Esta canção é sobre...
cachorros abandonados
cachorros encontrados
minha mãe feliz sem motivo algum
meu pai com as bochechas gordas no meu aniversário de 12 anos
as garotas olhando com tédio para mim

Esta canção é sobre a desesperança
Esta canção é sobre o amanhecer numa praia deserta
Esta canção é sobre eu e você, você e eu sorrindo para a estrela do mar
Esta canção é sobre o encontro de Deus com seu amigo imaginário
Esta canção é sobre estar numa época de Copa do Mundo e pensar no pugilista derrotado

Esta canção é sobre Bruce Springsteen.









Música para Viver - Para Bruce



Aos olhos da multidão

O cantor expressa sua alma

Com a fúria dos antepassados

Ele está disposto a morrer no palco



Cantando sobre as andanças nas ruas

Filosofando sobre aquele lugar que ele conhece bem

Descrevendo aquela mulher que o viu uma única vez.



Aqueles garotos e garotas

Ouvindo sua voz, estão no paraíso!



Ele vê a plateia toda dançando e cantando

E não consegue conter as lágrimas...



Toda emoção sua e do público

É um raio de alegria, esperança e otimismo



Transformando aquele lugar



em um palco de Deus!!!




OS AMIGOS

Ligo o som. Imagens das estradas, asfalto, céu nublado, mesmo assim a lua insiste em aparecer.
A garota grávida, fugindo, pedindo carona. O velho olhando assustado e lembrando do passado.
Gaivotas riscam o sol. Jovens querendo provar que são deuses. Trabalhadores com as mãos cansadas, cheirando a bebida.
Demônios fazem amor. O cara no puteiro tentando escapar, não sentindo nada além da solidão. A prostituta sonhando com uma vida normal.
O garoto enfiando um palito de dente na boca, e tentando fumar que nem seu ídolo.
A menina que se olha no espelho em busca da perfeição.
Eles planejam um assalto a banco, seus pais se separaram.
Elas rezam antes de comer. Políticos nojentos tramando novos atentados.
O homem na dúvida se coloca uma camisa de rock ou um paletó. A dúvida entre crescer ou estagnar.
Parece mágico quando ela tira a roupa.

Ligaram o som, ao fundo escuto um radinho de pilha bem baixinho

os amigos estão chegando com as suas histórias do Bruce Springsteen.



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